Consciência negra na Educação, na escola e na vida toda

Devemos pensar numa “consciência negra” aqui no Brasil depois da falsa abolição do dia 13 de Maio de 1888, que os tiraram da condição de gado humano para serem colocados como andarilhos, sub-humanos sem nenhum apoio social. Aliás, os espinhos e abandonos a partir de 14 de maio do mesmo ano são tão pesados que ainda continuam ecoando e se reproduzindo velados. O grande equívoco está nesse pensamento ideológico que se infiltrou em nossa cultura. Afirmações tão mentirosas e dilacerantes como uma tênue linha de pipa com cerol que cortam a todos que tentarem a ultrapassar…

Marcados pelo escravismo e criando rumos esquizofrênicos de liberdade podemos citar a fundação dos “cantos dos pretos” nas nossas cidades, geralmente em lugares alagados ou em morros muito íngremes. Então, muitas perguntas surgem, como:

– Como vencer esse ambiente hostil e essa topografia impossível? Como lidar com as imigrações européias sustentadas com a intenção de branquear a cultura no Darwinismo Social? Como superar a dificuldade de colocar sua mão de obra a disposição de todos para criarem seu sustento? Como lidar com as turmas de letramento e passeatas pela circulação livre em ruas e praças segregadas? E as Confrarias e Irmandades de negros criadas para garantir enterros dignos aos seus congregados? Como relacionar com a Santa Igreja essas irmandades cansadas de ver seus cadáveres jogados às valas? Como se realizaram campeonatos de futebol por quem era proibido de jogar nos times grandes e como se organizavam estas equipes? Como gente preta narrou ou bolou programas, engenhou equipamentos, lotou auditórios e limpou os palcos das rádios, fundamentais pra entendermos o século 20, principalmente nas raias urbanas? Como explicar a presença dos pretos nos trens sempre como limpadores de bitolas e trilhos?

Creio que isso todos já percebemos, mas nos esforçamos para não ver porque é doloroso demais não é?

Caso esses Pretos não consigam ser famosos ou não caibam nos estereótipos de uma mídia avassaladora nunca se farão presentes! Então, qual é o prisma e a cor dos passos das personagens que pintaram nos nossos cadernos de escola? História, poesia, filosofia…

Eles caberiam nesses lugares? Podem dialogar com os chamados clássicos (aliás, quem alçou os clássicos a esta categoria?) sobre temas cortantes da nossa vida como o desespero, o amor, a saudade, a luta, o susto e a fé? E na filosofia encontramos temas, como: o Tempo, a Morte, a Ética, a Saúde e a Política, por exemplo, por filósofos africanos ou por escritores negros das Américas? Principalmente femininos?

Pela América Latina e pelos subúrbios dos Estados Unidos, como reverberou nas comunidades negras a luta pelas independências africanas entre as décadas de 50 e 70 do século passado? Em tempo de ditaduras vibrou “Consciência Negra”? O que temos de distinto e em comum no cotidiano caseiro, nas praias, nas cadeiras universitárias entre tantos países onde ocorreu a diáspora africana?

Precisamos, também, sair do tripé Rio-Bahia-São Paulo, questionando como os anos de 1930 e 1940 se consolidaram como símbolos da cultura nacional buscando criar uma identidade da “mestiçagem” que os submeteram ainda mais na subcultura?

Mas o que será esta cultura, quais seriam seus elementos fundamentais e como ela se movimenta na contradição básica de nossa história? A negritude ser buscada em nosso país desde o princípio e, ao mesmo tempo, ser escanteada e pulsante nas bordas? Sujeitos colocados como estereótipos de entretenimento descartável? Vistos ainda como objetos de consumo sexual?!

São coisas da nossa formação, orquestrada de cima pra baixo entre o terror e o desejo. E de baixo pra cima abrindo vãos, contemplando momentos e espaços de vitalidade e autonomia, questionando o que é imposto como “correto e direito”. A luta pela sobrevivência e contra a tortura não se limita aos séculos passados: diante do escancarado genocídio e encarceramento de nossa juventude. As mães de hoje pelejando contra o assassinato de seus filhos ligados aos crimes nos subúrbios têm tudo a ver com Mães de 129 anos atrás.

Percebemos, porém que, mais do que preencher programas, é necessária uma reflexão pedagógica e didática sobre as maneiras de se partilhar e contemplar essas dúvidas e saberes. Precisamos, de fato, colocar em prática a lei federal – 10639/03 – no ensino fundamental ou no médio para a ciência conseguir agir nos coletivos. Trançando disciplinas que se comunicam numa língua orquestrada (aliás, “multidisciplinaridade” é a marca destes saberes, por precisão e gosto)

Enfim, praticando e aprofundando essa lei federal conseguimos ampliá-la para contemplar também as diferentes vertentes culturais brasileiras entre negros, brancos, índios, asiáticos e outros que dão jus ao conceito de miscigenação.

Segundo dados do MEC, o Brasil está em segundo lugar no que diz respeito a grandes populações afro-descendentes (47%), perdendo apenas para a Nigéria. Pode-se dizer que a África é um “continente” economicamente e culturalmente rico, pois apresenta uma diversidade de riquezas minerais, como petróleo e pedras preciosas. Seus habitantes, ao contrário do que pensam, são inteligentes, criativos e trabalhadores, porém com a colonização, as terras africanas foram dominadas e perderam cerca de 60 milhões de habitantes devido ao tráfico negreiro escravo. Vários grupos pertencentes à mesma tribo com dialetos e costumes comuns foram separados, gerando um violento processo de segregação étnica, na qual o africano tornou-se inferior em sua própria pátria. Porém, vários questionamentos deram vazão a uma série de críticas no que envolve o ensino da história afro no Brasil. Isso também não é um racismo velado?

Surgem ainda mais perguntas: Por que precisamos do ensino da cultura afro-brasileira especificamente? E os outros povos que contribuíram para a formação da identidade nacional?

Dessa forma, a lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional pode contribuir para o combate ao racismo se as aulas de Biologia forem bem ministradas. Elas mostrarão que a crença em raças humanas é um fruto da ignorância. A Educação pode contribuir para o combate ao racismo se as aulas de História forem bem ministradas. Elas mostrarão que o racismo é um produto histórico recente, do século XIX, e que a raça é uma invenção do racismo.

Acima de tudo, a Educação pode contribuir para o combate ao racismo se a escola for um espaço de afirmação da cidadania, cuja base é o princípio da igualdade perante a lei. Mas, no Brasil das cotas raciais e da classificação racial compulsória dos estudantes, a escola tende a se converter num espaço de fabricação da crença em raças. Apesar da Biologia e da História.

Vamos juntos? Precisamos tomar atitudes para muitíssimo além de um dia de Consciência de qualquer cor. Vamos?

 

Professor Leonardo Barreto Vargas – Psicólogo, Pós Graduação em Psicopedagogia institucional

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