O corpo de um homem, resgatado em um rio da Patagônia, interrompeu a campanha politica na Argentina, faltando quatro dias para as eleições legislativas de domingo, 22. Os candidatos, tanto do governo, quanto da oposição, suspenderam os últimos atos, previstos para essa quinta-feira, 19, à espera da necrópsia que vai determinar se o morto é Santiago Maldonado – um artesão de 28 anos. Ele foi visto pela última vez há 79 dias, num protesto dos índios mapuches no sul do país, que foi reprimido pela gendarmeria (a polícia militar argentina).
“O caso Maldonado tem uma forte conotação politica, porque ele desapareceu há quase três meses, num episódio envolvendo as forças de segurança”, explicou à Agência Brasil o analista politico Roberto Bacman. “Ele é um desaparecido da democracia, num país que ainda não curou as feridas do regime militar”.
Na Argentina, os organismos de direitos humanos até hoje exigem a “devolução com vida dos 30 mil desaparecidos” da ditadura (1976-1983). Muitos deles foram levados a centros clandestinos de tortura e depois jogados de aviões no Rio da Prata, ou enterrados em fossas comuns – sem deixar rastro. O “desaparecimento forçado” passou a ser um crime que não prescreve e cujos responsáveis estão sendo julgados e punidos até hoje, mais de 30 anos após o retorno da democracia.
Santiago Maldonado sumiu no dia 1º de agosto, na província de Chubut, no sul da Argentina, a 80 quilômetros da estação de esqui de Bariloche. Ele participava de um protesto de ativistas indígenas, reclamando terras ancestrais, perto da fronteira com o Chile, adquiridas pela empresa Benetton nos anos 1990. Os manifestantes estavam bloqueando uma estrada e as forças de seguranças foram chamadas para retirá-los e liberar o trânsito. Segundo testemunhas, Maldonado foi visto pela última vez sendo arrastado pelos gendarmes.
Desde então, a família do jovem, movimentos sociais de esquerda e organizações de defesa dos direitos humanos têm feito campanha – nas ruas e nas redes sociais – por Santiago Maldonado. O rosto do jovem, de cabelos longos e barba, está em cartazes espalhados pelo centro de Buenos Aires e em uma página de Facebook, pedindo a “aparição com vida de Santiago Maldonado”.
O caso ganhou relevância nacional e internacional, virando tema da campanha eleitoral em curso, que vai renovar metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. A eleição é considerada um termômetro para medir o nível de satisfação dos argentinos com a primeira metade de governo do presidente Mauricio Macri. E, também, saber se ele terá suficiente apoio para concluir bem os últimos dois anos de mandato e se candidatar à reeleição.
“Até agora, as pesquisas de opinião indicam que o governo fará uma boa eleição. Tem a seu favor sinais de reativação econômica, após três anos de recessão, e os escândalos de corrupção envolvendo a ex-presidente Cristina Kirchner, que foi indiciada pela Justiça”, disse Bacman. Mas, segundo ele, “o aparecimento de um corpo, que pode ser de Maldonado, sacudiu o cenário politico”.
Candidata opositora ao Senado, Cristina Kirchner participou de uma missa em homenagem a Santiago Maldonado, somando-se às críticas da família sobre a falta de avanços na busca do jovem desaparecido. Na campanha, seus aliados acusaram o governo de proteger as forças de segurança, sem investigar a atuação dos policiais na repressão do protesto indígena.
O governo nega as acusações e diz que fez tudo a seu alcance. A ministra de Segurança, Patricia Bullrich, disse que não iria acusar os policiais por um crime que nem sequer foi provado na Justiça, “por causa da pressão midiática”. Segundo os aliados de Macri, Cristina Kirchner está usando o caso para distrair a atenção dos eleitores dos escândalos de corrupção ocorridos durante seu governo (2007-2015).
Essa semana, o governo ordenou mais uma busca no Rio Chubut, com a ajuda de mergulhadores e cães, próximo do lugar onde Santiago Maldonado desapareceu. Dessa vez encontraram o corpo de um homem, vestido, boiando. No bolso, ele carregava a carteira de identidade do artesão.
O irmão, Sergio Maldonado, e a cunhada, Andrea Antico, viajaram para acompanhar a operação. “Não confiamos em ninguém, porque desde o primeiro momento nos atacaram. Foi duríssimo”, disse Andrea, nessa quarta-feira, 18. A família pediu aos políticos e à imprensa que evitassem especular até a realização de uma necrópsia e de um teste de DNA, para identificar o corpo.
Mas, a quatro dias das eleições legislativas, o noticiário foi dominado por especulações e teorias conspiratórias – inclusive a de que o corpo havia sido “plantado” para encerrar as investigações.
Fonte: Agência Brasil