Histórias circenses que o picadeiro não revela

Jorge Daniel Velasquez nasceu em San Carlos de Bariloche, cidade localizada na província argentina de Río Negro. A vida artística circense itinerante do acrobata casado e pai de dois filhos lhe rendeu aplausos de Norte a Sul do país, mas quando as cortinas se fecham pela última vez em uma cidade, o artista, antes de partir, não acrescenta em sua trajetória apenas os sorrisos recebidos do respeitável público. Ele também continua a levar consigo a saudade dos seis irmãos, que não vê há mais de dez anos, e um sonho: “Meu maior sonho?”, repete ele a indagação feita durante a entrevista. “Nossa! Seria bom demais poder voltar pra minha cidade e trabalhar em algum circo lá com minha família. Nunca fui artista na minha terra. Quando tiramos férias, vamos pra casa dos familiares da minha esposa em Belo Horizonte. Ir pra Bariloche fica muito caro. É uma cidade turística e é tudo em dólar”, explica o artista que trabalha há um ano e quatro meses com toda sua família no Circo Maximus, montado atualmente em Juiz de Fora no estacionamento lateral do Shopping Jardim Norte.

O marido de Juliana Rodrigues Velasquez, 38 anos, e pai de Davy Esteban Velasquez, 17 anos, e Raphaela Rodrigues Velasquez, 5 anos, foi criado pelos bisavós (já falecidos). Sua mãe, na época em que trabalhava como camareira na referida cidade da província argentina, relacionou-se com o patrão e engravidou, sendo, posteriormente, demitida. Sem condições financeiras para cuidar do filho, ela o entregou aos cuidados dos bisavós. “Não guardo mágoa dela. Eu a respeito e ainda nos falamos. Em relação ao meu pai, sei quem é e onde ele está, mas ele nunca quis me conhecer. Então, eu também não ligo”, revela o artista, radicado no Brasil há pouco mais de 20 anos, que ao ser perguntado sobre sua idade, em uma conversa na porta de seu trailer, desconversa bem-humorado e rindo: “Eu não falo pra ninguém”.

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Davy Esteban Velasquez, 17 anos, fez sua estreia no picadeiro aos seis. (Foto: Bruno Luis Barros)

Treinando desde os três anos e marcando sua estreia nos palcos aos seis, hoje Davy tem em Jorge não somente a figura de um pai, mas também um amigo e parceiro nas apresentações que fazem por todo o país com o número de adágio. “Ele também faz o Globo da Morte e já atuou como trapezista em outros circos”, diz o pai orgulhoso, que fala ainda do sentimento de estar no picadeiro: “Sinto-me realizado quando as pessoas batem palma. É a resposta de algo que fiz e que deu certo”, diz Jorge, acrescentando que sua esposa, atualmente, faz performances acrobáticas na altura, executando quedas, com o auxílio de um tecido, além de outro número, também acrobático, realizado em uma argola suspensa a vários metros de altura.

Em solo brasileiro, Jorge iniciou sua trajetória artística por Santa Catarina e Paraná. Depois disso, ele passou por 12 circos, como o extinto Moça Fiesta, Beto Carreiro, Circo Di Napoli e o Europeu. Foi neste último, durante turnê em Belo Horizonte, que o experiente acrobata conheceu sua esposa, que largou a profissão de bancária para ir embora com o circo.

DOMADOR DE FERAS E SENTIMENTOS

O homem, que em sua trajetória circense já domou ursos e tigres no picadeiro, teve, precocemente, que aprender a domar também os sentimentos que surgiram diante da ausência de quem mais amou (e ama). Aos 14 anos, com apenas uma mochila nas costas, ele saiu de casa e foi para Mar del Plata, também na Argentina, visitar sua mãe. Posteriormente, quando um dos circos da família italiana Orlando Orfei instalou-se no país, Jorge pediu emprego e foi aceito. Ainda sem o status de artista, ele trabalhou por cerca de cinco anos realizando serviços gerais. Depois desse período, o circo deixou a Argentina e fez uma rápida passagem pelo Uruguai, antes de vir para o Brasil. Logo, Jorge não voltaria mais para casa, pelo menos não tão cedo.

“Quando eu ligava para minha bisavó, ela chorava e pedia que eu voltasse. Isso me machucava. Então comecei a ligar cada vez menos, pois eu não tinha condições financeiras para voltar. Quando meu bisavô faleceu eu estava aqui no Brasil. Ao completar sete anos, levei meu filho para conhecer Bariloche e aproveitei pra visitar minha bisavó depois de tantos anos sem vê-la. Só que ela tinha sofrido um derrame cerebral e não me reconheceu. Ela faleceu pouco tempo depois”.

PRECONCEITOS NA BAGAGEM

Natural de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, Kylane Silva Rochink, 13 anos, irmã do pequeno Dominique, 5 anos, roda, com um sorriso no rosto, de 5 a 50 bambolês em seu corpo. Não pode deixar cair nenhum! O desafio para a artista – representante da sexta geração circense de sua família – não se restringe ao picadeiro, mas se impõe na vida social para lidar com preconceitos e estereótipos. “Outro dia eu estava passeando com minha amiga em um shopping aqui da cidade e uma senhora, ao passar perto de nós, comentou com outra mulher que povo de circo parece ET. Não deixo isso me afetar, mas é algo com o qual a gente tem que aprender a lidar”, observa.

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“Uma vez me perguntaram se dormimos todos no fundo do circo”, diz Kylane Silva Rochink. (Foto: Bruno Luis Barros)

Kylane, que até o momento passou por 11 circos e já se apresentou em todos os estados brasileiros, está treinando malabares para incluir mais um número em suas apresentações. No colégio, a cada cidade, ela lida ainda com curiosidades recorrentes sobre a vida artística itinerante e revela de forma bem-humorada: “Uma vez me perguntaram se dormimos todos no fundo do circo e se comemos no mesmo prato”. Além de perguntas inusitadas, a futura malabarista revela sentir na pele um pouco de descaso de algumas instituições de ensino. “Sempre nos matriculamos em alguma escola quando o circo chega na cidade. Na maioria das vezes somos bem recebidos, mas já aconteceu da direção de alguns colégios não dar muita atenção pra gente”, conta Kylane, que, diferente de outros artistas, não sabe ainda se vai continuar no circo. “Estou pensando se vou fazer faculdade. Tenho vontade de fazer o curso da Polícia Militar. Minha mãe apoia e incentiva. Ela gostaria que eu tivesse uma moradia fixa; uma estabilidade maior”.

PALHAÇOS TAMBÉM CHORAM

“Eu nasci em uma barraca de circo no Sergipe. Faço parte da terceira geração circense de minha família”, diz Wilton da Silva Rocha, 25 anos, ofegante e com o suor ainda visível em seu rosto após arrancar muitas gargalhadas não só de crianças, mas dos adultos. Wilton, além de palhaço, é pai da Maysa e da Milene, de 3 e 6 anos, que já estão sendo preparadas para atuar no circo.

Sua esposa, Monalisa Santos Silva, 22 anos, atua como trapezista, “mas no momento ela está parada, pois está grávida de sete meses. Vai ser menina de novo e vai nascer com muita saúde se Deus quiser e também Nossa Senhora. Vai ser a quarta geração circense da minha família”, revela Wilton, que diz estar feliz na profissão que o destino lhe reservou.

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Intérprete do Palhaço Fubica está à espera da terceira filha. Elas serão a quarta geração circense da família. (Foto: Bruno Luis Barros)

Em 2005, na cidade de Arapiraca, faltando poucos minutos para entrar no picadeiro, ele recebeu a notícia da morte de seu avô, também artista e fundador do circo no qual trabalhava na época. “Ele tinha problema de coração e sofreu um infarto fulminante. Chorei muito, mas o palhaço deve deixar a tristeza nos bastidores. O público pagou pelo ingresso e quer ver a alegria do palhaço”.

Ao contrário de vários artistas e colegas de trabalho, Wilton possui, além de um trailer, casa própria em sua cidade natal e só a visita uma ou duas vezes no ano, no período de férias. “É bom ir pra lá, mas, quando passa umas duas semanas, bate muita saudade do circo”.

CIRCO MAXIMUS | SERVIÇO

Até 14 de maio, de segunda a sexta-feira, às 20h. Sábados, domingos e feriados: 16h, 18h e 20h.
Valores: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)
Local: Estacionamento lateral descoberto do Shopping Jardim Norte

 


Fonte: Colaboração estagiário Bruno Luis Barros




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