Como buscamos demonstrar, a negação de Deus não tem a ver com uma inferência
baseada no rigor intelectual, mas na assimilação pelo campo acadêmico de uma
restrição dogmática. Não se trata tão somente de distinguir, apartar, selecionar e
distribuir os temas que sejam atinentes aos domínios da fé e da razão (mesmo
porque tal operação é substancialmente inócua). Diversamente, como se viu, o que
está em jogo é uma disputa pelos rumos da própria cultura que, em função dos
contornos institucionais e em meio a estratégias de dominação, exige determinar
quais são os temas considerados satisfatórios em oposição aos insatisfatórios.
Na longa série de artigos anteriores buscamos circunscrever as razões para a
barreira de entrada, aparentemente intransponível, da hipótese Deus na academia.
Neste artigo final refletiremos brevemente sobre o aparente início da ruptura dessa
espessa muralha focalizando a experiência que vem se desenrolando no Brasil.
Thomas Kuhn, explica que a ruptura de um paradigma enseja uma revolução
científica que não ocorre de maneira linear, mas em períodos de profunda crise.
Kuhn argumenta que quando anomalias se acumulam e o paradigma vigente não
consegue mais explicar os fenômenos observados, uma revolução científica se
inicia, levando a um novo paradigma que substitui o anterior.
Essa transição é considerada por Kuhn não apenas uma mudança nas teorias, mas
também uma transformação na própria forma de pensar e, consequentemente, no
conjunto de critérios de validação do conhecimento.
É fato que ainda não se acendeu a centelha da polêmica dentro dos muros da
academia, que permanece buscando cegamente provar o improvável. O campo
permanece impermeável às objeções ao imanentismo, porém, é possível perceber
um movimento tectônico que vem mexendo com a sociedade e possui condições de
brevemente se estender à academia.
Embora há muito tempo tenha saído das pautas universitárias, a controvérsia sobre
a hipótese Deus jamais arrefeceu, e agora o debate parece estar ganhando novo
contorno, quando grupos de pesquisadores e intelectuais sérios passaram a
explorar a internet como meio alternativo de divulgação de ideias.
O surgimento do fenômeno da ’intelectualidade pública’, que se expressa nas
mídias digitais independente das amarras do campo acadêmico, abriu novo caminho
para reincendiar a polêmica. Consequentemente, o assunto ganha força e contornos
inéditos e vêm se desenvolvendo nos renovados espaços virtuais.
Organizações que reúnem pesquisadores sérios, como a Associação Brasileira de
Cristãos na Ciência (ABC2) e a Associação do Design Inteligente (TDI), por
exemplo, têm crescido em adesão e produzido muitos conteúdos que se
popularizam crescentemente, o que renova a necessidade de reflexão sobre a
agenda que os acompanha.
Como pontuado em artigo anterior, atualmente encontramos centenas de palestras,
debates e monólogos transmitidos e sendo postados diariamente em plataformas
como YouTube, Instagram, Facebook, dentre outras. Igrejas que alimentam canais
para divulgação sobre o assunto, intelectuais públicos de diversas denominações
ocupando espaços em diferentes podcasts e programas de entrevistas voltados não
para o público cristão, mas para a audiência em geral. Realça-se o fato de se tornar
um acontecimento recorrente que tais espaços de mídia ’estourem’ seus ‘views’
quando tratam justamente da relação entre fé e razão ou Deus e ciência. Uma
evidência do crescente fascínio pela interação entre conhecimento
rigoroso/metódico e a hipótese Deus, mostrando um resiliente interesse da
população em geral e dos crentes em particular sobre o assunto.
O crescimento do interesse pelo específico debate em tela possivelmente tem
relação com o perfil de um ‘novo crente’, que tem se tornado crescentemente
evangélico, no lugar de católico, e vem atingindo níveis superiores de
renda/escolaridade.
As pesquisas mostram que esse “novo evangélico”, é mais jovem que os católicos e
possui uma escolaridade equivalente. Além disso, o crescimento do número de
evangélicos diversifica os seus ‘tipos’. No passado, era fortemente sedimentado nas
camadas sociais empobrecidas, mas agora atinge públicos com maior poder
aquisitivo e nível de instrução (mais anos de escolaridade). Óbvio que a mudança
do perfil altera suas áreas de interesse típicas.
O crente dotado desse renovado perfil (1) se expressa em mídias digitais e (2) se
preocupa em compatibilizar sua fé com seu estoque de conhecimento obtido na
trajetória escolar/acadêmica. Consequentemente, este novo cristão (evangélico,
jovem, com maior renda e escolaridade) acaba por renovar e alimentar a
controvérsia em tela. Esse fato provavelmente explica em parte o ’boom’ de
publicações, canais, perfis e debates hospedados nas mídias digitais sobre a
relação Deus e a ciência/filosofia.
Visto que a academia permanece hermeticamente fechada para essa nova
realidade, o debate vem se robustecendo “por fora”. Nesse contexto , organizações
com notória importância na militância que busca dirimir esse distanciamento, com
destaque para Associação Brasileira de Cristãos nas Ciências (ABC2) e a
Sociedade Brasileira do Design Inteligente.
Os intelectuais associados à T eoria Design Inteligente tem cumprido um papel
particularmente relevante, primeiro, o fato de não ser confessional e sequer
restringir-se ao campo teísta-cristão quando teoriza acerca do “designer”. Segundo,
por abrigar entre os seus membros cientistas interessados em reacender o debate
fora das fronteiras do escolasticismo. Em terceiro lugar, por se posicionar de
maneira mais contundente no espectro do debate. Em quarto lugar, por ser baseada
em um conjunto de princípios que enseja uma coerência interna enquanto teoria
minimalista que visa tão somente estabelecer um princípio racional alternativo para
balizar o discurso científico.
Ao longo desta série de artigos, exploramos a hipótese de Deus como uma
explicação válida e robusta que concorre com a cosmovisão reinante em nosso
tempo.
A possibilidade de sua aceitação depende de transformações profundas na forma
de pensar da sociedade ocidental, pois requer mudanças em diferentes e
sucessivas camadas que hoje sustentam o pensamento teórico considerado válido.
Porém o fracasso de todas alternativas disponíveis em explicar a origem e
complexidade do universo lança esperança de que em algum momento a resistência
ruirá sobre o próprio peso das suas inconsistências