Se o campo acadêmico é o espaço sancionado para oferecer à sociedade respostas para
seus dilemas reflexivos, inclusive os existenciais, o fato dele não o fazer, inevitavelmente
resulta em consequências negativas para o próprio campo e para a sociedade que nele
confiou a seleção de suas verdades.
Como o campo produz teorias que são necessariamente limitadas ao paradigma que
estabelece que nada pode escapar ao que é interno ou intrínseco às realidades
materiais/naturais, todas as questões devem ser dirimidas exclusivamente neste plano em
que nós nos percebemos. Consequentemente, a origem e o sentido da realidade são
tributados ao mundo das coisas sensíveis. E por aqui, nenhuma realidade é incondicionada,
tudo depende de tudo, portanto, nada origina.
Ora, se o empreendimento “fazer ciência/filosofia” não produz o resultado esperado, se as
respostas não são encontradas no plano da imanência e se não é admitido recorrer à
transcendência, nem a qualquer absoluto que escape ao reino do método empírico, o que
se verifica é o vazio.
Os sintomas do nefasto vazio resultante são verificados em diferentes searas. Quanto ao
próprio ato de refletir, vê-se emergir o relativismo e, na cultura em geral, constatamos a
ascensão mais recentemente da pós-verdade. Ou seja, ambos fenômenos podem ser
atribuídos à própria arquitetura da produção de conhecimento que envolve motivo-base
dual, paradigma imanentista e campo acadêmico impermeável à mudanças.
Em outras palavras, se a explicação não é encontrada e a resposta não pode ser buscada
em outro lugar, logo, resta questionar a própria ciência ou a própria existência de verdade a
ser descoberta. Eis o motivo que explica tanto a ascensão do relativismo quanto a
emergência da pós-verdade.
O relativismo é uma perspectiva filosófica que sustenta que a verdade é dependente do
contexto, da cultura, da percepção individual ou das circunstâncias históricas. Não existem,
portanto, verdades universais nem certezas absolutas. Essa visão implica na inexistência de
afirmações objetivas que se aplicam a todas as pessoas em todas as situações; no lugar, a
validade é sempre dependente de outro algo: grupo social, contexto, época etc. Isso quando
não origina um tipo de ceticismo profundo que faz o sujeito duvidar de qualquer afirmação.
O relativismo está alicerçado no motivo-base ocidental, calçado na sua variante liberdade,
visto que o próprio tema da liberdade individual é elevado à condição de princípio supremo,
comprometido com a noção de que o sujeito livre pode definir a própria verdade,
independentemente de quaisquer padrões universais.
O relativismo também é intrinsecamente imanentista visto que o conhecimento, para essa
corrente, bem como as ideias e os valores, são construções sociais. Permanece nos limites
reflexivos do que o torna aceitável no campo acadêmico ainda que carregue uma profunda
incongruência, posto que se sustenta numa fragilidade lógica. O princípio “tudo é relativo”
,
afirmação central do relativismo, em si mesmo, tem a pretensão de ser verdade absoluta,
logo, o princípio é demolido pelo próprio princípio.
A dúvida em demasia esteriliza a própria prática científica. Portanto, a conjugação que
colonizou o campo acadêmico, conspira contra a própria autoridade acadêmica. Ao lado,
outra principal consequência do relativismo é a paralisia moral, visto que a falta de padrões
absolutos afeta a capacidade de realizar julgamentos éticos, conspirando para mitigar o
tecido social. Nesta quadra encontramos o segundo fenômeno.
A pós-verdade refere-se a uma condição cultural e política em processo de
desabrochamento no qual os apelos às emoções e crenças pessoais têm mais influência na
formação da opinião pública do que os fatos objetivos e verificáveis. Como a própria ideia
de verdade foi posta em cheque, narrativas subjetivas moldadas pelas experiências e
preferências individuais tomam o seu lugar. Em outras palavras, o fenômeno desvaloriza as
informações factuais da realidade objetiva, que são substituídas por crenças balizadas
pelos sentimentos.
A pós-verdade é calçada no relativismo posto que é caracterizada pela ideia de que a
verdade depende das percepções individuais. O que importa não é necessariamente a
veracidade dos fatos, mas como eles são internalizados e interpretados pelas pessoas. Ela
se relaciona com uma crescente desconfiança em relação às instituições tradicionais, como
a mídia, o governo e, particularmente, a ciência.
Essa desconfiança leva à rejeição de informações provenientes do campo acadêmico,
favorecendo em vez dos resultados das reflexões metódicas, teorias da conspiração ou
dados que simplesmente confirmam crenças pré-existentes.
Com o advento das redes sociais e das plataformas digitais, a pós-verdade está sendo
exacerbada e tem favorecido a formação de “bolhas”
, onde indivíduos consomem apenas o
conteúdo que robustece as suas crenças e opiniões, isolando-se de grupos que adotam
perspectivas divergentes.
Constatamos que o campo acadêmico vai sendo confrontado pelos entes que alimentam
tais bolhas. Eles só se valem da ciência como justificativa para suas próprias crenças, do
contrário, quando as contradizem, é ferozmente atacado.
Na verdade, a intersecção entre motivo-base natureza-liberdade, o paradigma imanentista
que enreda e determina o campo acadêmico são os responsáveis em última instância pela
ascensão do relativismo e da pós-verdade que erodem o próprio campo acadêmico e
conspiram em favor da anomia social.