Por que não Deus? Investigando as razões ocultas por trás da rejeição da Hipótese Deus pela academia – Parte 16

Continuando a descascar a cebola do dilema da produção de conhecimento comprometida em rejeitar a hipótese Deus, neste artigo, vamos atingir suas camadas intermediárias, o que nos faz descer do campo acadêmico para o nível de seus pressupostos, remetendo ao problema do paradigma científico.

 

Conforme ensinado por Thomas Kuhn, em sua obra seminal “A Estrutura das Revoluções Científicas”, o paradigma consiste nas bases teóricas e metodológicas compartilhadas pela comunidade científica em determinado período. Estes paradigmas ditam não apenas “o que” é estudado, mas também o “como” algo é estudado e interpretado.

 

Em nosso tempo, um paradigma específico circunscreve o campo acadêmico determinando leis, teorias, aplicações e instrumentos que são reconhecidos pela comunidade científica como válidos. Ele é antes de mais nada imanentista, ou seja, sustenta que a realidade e todos seus fenômenos subjacentes devem ser entendidos exclusivamente a partir dos processos e propriedades intrínsecos ao cosmos, sem admitir qualquer causa ou entidades transcendentais. O enfoque imanentista se evidencia na própria metodologia científica que busca explicações para os fenômenos naturais dentro dos limites do próprio mundo observável, através da natureza, suas leis físicas e processos materiais.

 

O imanentismo do paradigma se desdobra em dois pilares que eixam a produção do conhecimento em nosso tempo: naturalismo e materialismo.

 

O naturalismo se baseia na premissa de que todas as explicações para os fenômenos do universo devem ser encontradas dentro do próprio universo, utilizando exclusivamente as leis e processos naturais. O materialismo, por sua vez, se expressa na premissa de que a realidade é constituída exclusivamente por matéria e energia, e que todos os fenômenos, incluindo os mentais e sociais, podem ser explicados em termos de interações físicas e materiais.

 

Tais enfoques excluem qualquer intervenção ou causa sobrenatural, argumentando que tudo o que existe e acontece pode ser compreendido através da observação, experimentação e análise empírica, mantendo-se restrito ao que é imanente, ou seja, inerente à natureza e ao mundo físico.

O paradigma sustenta que tudo o que existe é parte do mundo físico e opera segundo as leis naturais, sem precisar recorrer a explicações transcendentes ou metafísicas. O binômio rejeita a existência de qualquer entidade ou dimensão imaterial, como almas, espíritos ou deuses, e concentra-se apenas no que pode ser observado e medido empiricamente.

 

Esses são os fundamentos que têm orientado o campo acadêmico. A produção científica e a interpretação dos fenômenos naturais e sociais, possuem base, única possível, excluindo qualquer outra hipótese.

 

Esses pressupostos têm obtido sucesso em muitas áreas, proporcionando avanços tecnológicos. Contudo, eles também impõem restrições epistemológicas que limitam a capacidade da ciência de explorar e explicar fenômenos que não se encaixam perfeitamente dentro desse quadro teórico.

 

Apesar dos seus sucessos, o paradigma naturalista-materialista enfrenta dificuldades de responder a fenômenos complexos e se chocam contra evidências que colocam em xeque teorias consagradas. A consciência, por exemplo, continua sendo um mistério em grande parte inexplicável pela neurociência materialista. Fenômenos sociais e culturais, como a moralidade, a arte e a religião, também resistem a explicações puramente materialistas, sugerindo que há dimensões da realidade que escapam a este paradigma.

 

Nas ciências humanas o colapso de tais modelos herméticos que se expressaram no biologismo, determinismo geográfico, economicismo, dentre outros, colapsaram muito antes dos dilemas se agravarem nas ciências exatas e naturais agora também em vias de implodir. O modelo cosmológico dominante, por exemplo, com sua inflação e matéria escura fria, enfrenta desafios significativos ao tentar explicar as recentes imagens obtidas pelo Telescópio Espacial James Webb. Este telescópio, com sua capacidade sem precedentes de observar o universo em comprimentos de onda infravermelhos, está revelando estruturas cósmicas e galáxias em estágios muito primordiais que não se encaixam nas previsões feitas pelo modelo atual.

 

Outro exemplo é o evolucionismo, à medida que a ciência avança, especialmente nas áreas de microbiologia e bioquímica, surgem questões complexas que o modelo evolucionista tradicional enfrenta dificuldades para responder. Uma das questões mais desafiadoras é explicar a origem da vida. A abiogênese, ou a hipótese de que a vida surgiu a partir de matéria inanimada, não resiste a nenhum teste de veracidade. Estruturas microbiológicas, como o flagelo bacteriano por exemplo, são frequentemente citadas como exemplos de “complexidade irredutível”. Essas estruturas são compostas por múltiplas partes interdependentes, onde a remoção de qualquer uma delas resulta na perda de função. A explicação de como tais sistemas complexos poderiam evoluir gradualmente, peça por peça, sem perder a funcionalidade, choca-se frontalmente com a teoria evolucionista. Outros desafios são as máquinas moleculares, o código genético, a origem de vias metabólicas complexas dentre outras.

 

É sobretudo nas questões fundamentais sobre a origem e o sentido da realidade que o binômio fracassa flagrantemente.

 

O insucesso já está patente demonstrando o exaurimento do duplo eixo do paradigma. Porém, como Kuhn ensina, a crise do paradigma é um evento traumático e permeado de resistências. Embora o naturalismo e o materialismo estejam sendo confortados a evidência constrangedoras, o imanentismo ainda segue sendo uma firme convicção o que leva o campo científico a procurar uma alternativa ao duplo eixo mas ainda fiel ao império da imanência. Isso explica a emergência recente do relativismo.

 

Embora o relativismo desafie a rigidez do naturalismo e do materialismo, no limite, não passa de uma crítica estéril. Pois reconhece o problema mas é totalmente incapaz de apresentar uma alternativa, argumentando que todas as verdades são relativas e que não existe uma verdade objetiva universal. A principal deficiência é a sua própria inconsistência lógica: se todas as verdades são relativas, então a afirmação “todas as verdades são relativas” também é relativa, o que mina a sua validade como uma alternativa coerente.

 

Essa autocontradição impede que o relativismo se sustente como alternativa capaz de sustentar o paradigma dominante, mas agrava o dilema do paradigma e lança uma séria ameaça contra a própria atividade científica. A emergência da negação da verdade e do fenômeno da pós-verdade, são explicadas concretamente pelo colapso do paradigma e produz erosão na própria ideia de ciência. Diante das limitações do naturalismo-materialismo e da insuficiência do relativismo, um desafio está lançado contra o paradigma dominante que afeta o próprio ato de fazer ciência. Ele ainda resiste, mas até quando? Quais serão os efeitos do colapso? O campo científico coloca sua própria autoridade em risco ao permanecer insistindo no imperativo do imanentismo.

 

Neste contexto, a hipótese Deus tem reaparecido como uma alternativa que merece ser considerada seriamente, porém continua sendo bloqueada, impedida de penetrar o campo acadêmico dominado peloimanentismo.

 

A hipótese Deus pode oferecer explicações para fenômenos que o paradigma imanentista, naturalista-materialista ou relativista não consegue abordar satisfatoriamente, ainda assim permanece bloqueada.

 

Na base do problema das três perspectivas e do próprio imanentismo está a contradição dos motivos base religiosos que enlaçam, não apenas a atividade científica, mas a própria cultura ocidental envolvendo toda a sociedade. E este é o tema do próximo artigo.

 




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