Por que não Deus? Investigando as razões ocultas por trás da rejeição da Hipótese Deus pela academia – Parte 12

Kant foi um pensador alemão do século XVIII cuja obra possui elevada estatura tanto para a filosofia quanto para a ciência e suas reflexões encontram-se na base da edificação do paradigma científico que enreda o campo acadêmico em nosso tempo. Neste artigo destacarei criticamente duas de suas ideias que cooperaram para o consenso que hoje se verifica: a centralidade da razão e o mito da neutralidade.

Seu ponto de partida foi buscar conciliar as duas principais correntes filosóficas que vinham se desenvolvendo na modernidade, o racionalismo e o empirismo. Suas duas obras-primas, ‘Crítica da Razão Pura’ e ‘Crítica da Razão Prática’ abordam respectivamente, na primeira, as questões fundamentais sobre a reflexão humana e a estrutura da realidade, investigando os limites e as possibilidades do conhecimento humano em si; enquanto na segunda explora a esfera dos valores e da liberdade, baseando a ação ética na capacidade racional de formular leis morais.

Percebemos que o autor encontra-se plenamente enquadrado no motivo-base natureza e liberdade e como é comum a todos autores circunscritos por dualismos, embora reconheça ambos imperativos e busque (em vão como os demais) reconciliá-los, inclina-se para um dos lados. No seu caso, a liberdade se sobrepõe à natureza, visto que, em seu julgamento, a vontade humana é autônoma e capaz de agir conforme princípios racionais e universais, independentemente das leis naturais.

Kant propõe que a mente humana é uma instância que estrutura a experiência através de categorias a priori, e que tais fornecem as condições necessárias para a percepção da realidade. Essa perspectiva influenciou o paradigma científico e filosófico contemporâneo cristalizando a ideia de que o conhecimento humano não é mera reflexão passiva da realidade externa à mente, mas que o ato de pensar é moldado pelas estruturas da própria mente.

A epistemologia que resulta desse princípio é centrada no que Kant chama de ‘revolução copernicana’, que consiste em colocar o sujeito e não o objeto no centro do ato de conhecer. Ele argumenta que os conceitos não são derivados da experiência, ao contrário, eles são determinados antes a fim de proporcionar as condições necessárias para que a própria experiência seja possível. Assim, nosso conhecimento do mundo é sempre uma construção que resulta da interação entre nossa mente e os dados sensoriais. Essa estrutura mental a priori implica crer que jamais podemos conhecer as “coisas em si”, mas apenas as coisas como elas aparecem para nós.

Para fazer tal afirmação, Kant estabeleceu uma distinção fundamental entre o mundo dos fenômenos, que é aquilo que podemos experimentar e conhecer, e o mundo dos númenos, ou a realidade em si, que está além de nossa cognição.

A crítica de Dooyeweerd à filosofia de Kant começa por aí: o dualismo. Ele argumenta que a divisão entre o mundo sensível e o mundo inteligível cria uma dicotomia insustentável. E representa uma fuga perante a incapacidade de conciliar natureza e liberdade, uma separação artificial que não reconhece a integridade da criação. O projeto kantiano revela assim sua falha ao tentar fornecer uma visão coerente e unificada da realidade.

A segunda grande influência de Kant para a modelagem do paradigma científico em voga diz respeito à sua defesa da autonomia da razão humana. Dooyeweerd chama isso de ‘mito da neutralidade científica’. Como percebemos, Kant sustenta que a razão é a fonte última do conhecimento e da moralidade. Para isso ele precisa dar um salto transcendental e colocar a razão acima e além da realidade, postulando que a razão paira sobre o limitar do mundo dos fenômenos, o que é tido como condição para que a ciência possa alcançar o conhecimento objetivo.

Essa ênfase na autonomia da razão cria a ilusão de que a ciência pode operar de maneira completamente neutra e livre de influências externas.

Dooyeweerd, por sua vez, argumenta que essa suposição é ilusória e problemática. Ao colocar a razão acima e além da realidade, Kant desconsidera que a própria razão consiste em um dado da realidade. A lógica não é uma condição transcendental, mas um dos modos de experimentação dispostos na imanência. Como no mundo tudo influencia tudo, ela é também condicionada por pressupostos outros. Consequentemente, a crença na neutralidade científica ignora a dependência fundamental da razão humana em relação às ordens normativas que sofrem influência, por exemplo, das perspectivas culturais e históricas loco temporais.

Portanto, ao colocar a razão em uma posição acima e além da realidade concreta, Kant engendra uma mistificação que não se sustenta mas que se tornou atualmente um princípio inquestionável inerente ao campo acadêmico: a objetividade neutra da ciência. Uma ilusão que está enraizada no paradigma científico contemporâneo, adotada acriticamente no campo científico como um fato inquestionável.

Dooyeweerd, por sua vez, pondera que a ciência não pode ser completamente objetiva e isenta de pressupostos filosóficos e religiosos. Ele sustenta que toda atividade científica está inevitavelmente enraizada em uma visão de mundo subjacente que influencia a forma como os fenômenos são apreendidos, interpretados e compreendidos.

Tendo em vista tudo o que foi debatido até aqui, e tomando consciência dessas deficiências oriundas de Kant, no próximo artigo podemos começar a amarrar todas as pontas para compreender por que a hipótese Deus foi excluída da academia.




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