Por que não Deus? Investigando as razões ocultas por trás da rejeição da Hipótese Deus pela academia – Parte 07

Dando sequência ao artigo anterior, trataremos de outros dois conceitos de Pierre Bourdieu: habitus e illusio.

Para Bourdieu, habitus é um conjunto de disposições adquiridas pelos indivíduos ao longo da vida, que moldam suas percepções, valores e ações de forma inconsciente.

Essas disposições não são inatas, fruto do talento, genética ou mesmo bom senso, diversamente, são produtos da posição social ocupada. Ou seja, o habitus é moldado pelas experiências de vida, pela interação com o meio social permeada de estruturas de poder e símbolos existentes na sociedade.

De acordo com Bourdieu, o habitus guia as escolhas e enseja comportamentos, engendrando as práticas cotidianas dos indivíduos. Por meio dele, os sujeitos internalizam as normas e valores do campo social ao qual pertencem, reproduzindo suas estruturas e comportamento típico.

Consequentemente, o habitus explica como o externo se internaliza, de que maneira as regras e convenções do campo se transformam nas regras e convenções da própria pessoa. Ela permanece sendo um sujeito ativo que também altera o seu meio social, porém o processo jamais é linear, mas dialético.

 

Em uma frase: as estruturas que são estruturadas pelos sujeitos, antes estruturam os mesmos sujeitos.

 

O habitus acadêmico refere-se, portanto, às disposições mentais e práticas que são internalizadas pelos indivíduos que fazem parte desse específico campo.

 

No campo acadêmico, o habitus é moldado, por exemplo, pela socialização dos indivíduos na instituição de ensino, pela interação com professores e colegas, pela absorção de valores e normas gerais da academia e específicas da área do conhecimento em que estão inseridos. São essas disposições que os orientam na escolha de temas de pesquisa, na forma como escrevem e se expressam academicamente, nas referências teóricas que utilizam, e, sobretudo, naquilo que acreditam.

 

O habitus acadêmico também influencia as percepções e avaliações dos agentes em relação aos seus pares, orientando suas trajetórias profissionais e suas estratégias de ascensão no campo. A busca por reconhecimento acadêmico, a construção de redes de colaboração e a competição por recursos e reconhecimento são aspectos moldados pelo habitusacadêmico, que reflete as estruturas de poder e hierarquias presentes nesse campo social.

 

Dessa forma, a teoria de Bourdieu nos ajuda a compreender que na academia, muito além de um compromisso neutro com o desenvolvimento teórico, suas práticas e representações são permeadas e de certa forma conduzidas pelo habitus dos agentes.

 

llusio é a categoria utilizada por Bourdieu para explicar o que é interpretado como sendo natural mas que é, na verdade, resultado de processos sociais.

 

O conceito de illusio é a chave para compreender a adesão dos participantes do campo às suas regras de maneira irrefletida. O campo produz efeitos illusio quando seus participantes naturalizam suas regras de acesso, o vocabulário interno, os preceitos para as disputas, seu capital típico, as hierarquias internas e o valor do troféu. Os participantes do campo aceitam se submeterem aos dominadores do campo porque creem que isso é algo natural.

 

Exemplificando com mais detalhes: a motivação na busca por troféus deriva exatamente do que internalizam como “condições óbvias”. Ninguém precisa explicar o valor do troféu para aquele que está dentro do campo. E tentar explicá-lo para quem está fora é praticamente impossível.

 

Por exemplo, ter o artigo publicado em uma revista A1 ou ser citado em um trabalho de outro acadêmico, não gera nenhuma recompensa financeira, não cria nenhuma facilidade, não reduz a jornada de trabalho… Então onde está o seu valor? Naquilo que representa simbolicamente para o ponto de vista exclusivo dos participantes do campo. Em outras palavras: obter tais troféus alimenta um prestígio interno ao campo só fazendo pleno sentido para aqueles que estão inseridos no meio acadêmico. O fato do indivíduo participar do campo deixa claro o valor do troféu e cria nele o incentivo para buscá-lo.

 

Este fato nos conduz a compreender que a motivação é necessariamente inerente ao campo. O sujeito sabe o valor do troféu e por isso se sente estimulado a persegui-lo. Ninguém precisa pedir que o faça. Ele age por meio de uma convicção que é socialmente adquirida e se torna tão inerente que a pessoa nem se dá conta que aquilo é uma convenção.

 

Ao final, o ânimo está ancorado na necessidade de obter prestígio perante os outros jogadores daquele campo. O reconhecimento social, que é interno ao campo, produz no indivíduo uma distinção, sobrevalorizando-o em relação aos outros jogadores. E ao saber que poderá passar a ocupar uma posição hierarquicamente superior ao de seus pares, o indivíduo busca tais troféus que apenas jogadores do campo têm plena percepção de seu valor.

 

Consequentemente, os acadêmicos não agem necessariamente focados nos critérios de verdade, mas encontram-se preocupados com os critérios de validação que os pares conferem à sua pesquisa.

 

De acordo com a maneira como os indivíduos se posicionam e atuam no campo social, estabelecendo padrões de comportamento, percepção e valorização que orientam suas práticas cotidianas. O campo social impõe limites e possibilidades ao indivíduo tanto externa quanto internamente, definindo as condições objetivas e subjetivas para a interpretação de si e do mundo.

 

Os seus objetos de investigação, devem passar tanto pelo crivo do habitus quanto pelo crivo do illusio, ou seja, a teoria e o objeto considerados válidos não são objetivamente ancorados em critérios de verdade, diversamente são aqueles que são subjetivamente compreendido como teoria e objetos válidos em razão do campo que, por sua vez, é norteado por paradigma historicamente determinado.

 

Retomando o eixo da explicação que estamos construindo artigo após artigo desta série, já vai ficando evidente as razões da academia vetar a hipótese Deus.

 




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