Nos últimos dias, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), assim como outras instituições federais de ensino superior, receberam manifestações pelas redes sociais sobre supostas fraudes no sistema de cotas raciais. A instituição entende a mobilização social pela defesa das ações afirmativas e dos mecanismos que garantam os direitos conquistados pela história de lutas das comunidade negra, dos indígenas e das pessoas com deficiência.
Na UFJF, um desses mecanismos certamente são as denúncias e, por isso, se registradas oficialmente serão devidamente apuradas com seriedade. As manifestações via redes sociais não levam à abertura dos processos de sindicância e administrativos. De acordo com a ouvidora geral da UFJF, Flávia Bastos, as delações sobre as possíveis fraudes devem ser encaminhadas pela plataforma nacional Fala.BR, onde o denunciante pode se identificar ou optar pelo anonimato.
“Todas as denúncias que chegam à ouvidoria são avaliadas. É importante que no ato da declaração, sejam trazidos indícios de materialidade para facilitar o processo como, por exemplo, questões que comprovem a acusação. Muitas vezes, somente o envio de fotos ou a acusação feita pelo autor, fazem com que o processo leve mais tempo por falta de concretude. Quando somos ajudados com mais dados a investigação se torna mais viável.”
Depois de uma primeira análise pela ouvidoria, a denúncia segue para a Pró-reitoria de Graduação (Prograd), que estabelece a comissão e instaura a sindicância. Segundo a Pró-reitora de Graduação, Maria Carmen Simões de Melo, um longo caminho foi percorrido pela UFJF desde a implantação das cotas, aprimorando os mecanismos de controle.
Na implantação do sistema, acreditava-se que os estudantes optariam adequadamente pelo grupo ao qual pertenciam. Assim, a exemplo das demais instituições federais de ensino superior, era utilizada apenas a autodeclaração firmada pela assinatura do ingressante. Com o passar do tempo, começaram a surgir em todo o país as denúncias de fraudes e apenas a certificação emitida de próprio punho não se mostrou suficientemente adequada.
No início de 2018 foi instituída pela Reitoria a Portaria 307 – uma Comissão de Sindicância, para apurar os casos de fraudes, em especial, do grupo reservado aos Pretos, Pardos e Indígenas (PPIs). A UFJF, imediatamente, abriu processos de sindicância e formou comissões com pesquisadores qualificados para apurar e fazer o levantamento dessas delações. Os casos de estudantes que, nessa primeira análise, indicavam dúvida substancial, passaram para uma outra etapa de apuração mais aprofundada, com trabalhos conduzidos pela Prograd.
Maria Carmen enfatiza que na elaboração destas atividades têm sido fundamentais as contribuições da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), do Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI), de pesquisadores da temática e seus orientandos, assim como de docentes e TAEs sensíveis aos assuntos que buscam a redução das desigualdades.
Paralelamente à apuração das possíveis tentativas de burlar o sistema, foram também desenvolvidas atividades formativas sobre a temática para docentes e técnico-administrativos em Educação (TAEs) com vistas ao aprofundamento do conhecimento, na perspectiva também, de ampliação do quadro de pessoas preparadas para as ações necessárias.
Penalidades
As penalidades para estudantes que tentam burlar o sistema variam desde a perda do direito à vaga na UFJF até responder a processo judicial. As investigações das comissões visam a resguardar os direitos das populações de baixa renda, negra e também das pessoas com deficiência, contempladas pela Lei 12.711/2012, a Lei de Cotas, alterada pela Lei 13.409/2016.
Maria Carmen comenta que durante os trâmites há o respeito à ampla defesa, ao contraditório e aos prazos e recursos nas variadas instâncias. “A instituição tem se dedicado para apurar com rigor e cuidadosamente todas as denúncias apresentadas, assim como a estabelecer processos que reduzam tais tentativas, no intuito de defender e garantir o direito a quem realmente o tem”.
Além disso, em alguns casos, com o apoio da Procuradoria, tanto a Pró-reitoria e TAEs que ali atuam, quanto membros das comissões, têm preparado informações e argumentações dos processos judiciais e às vezes atuam presencialmente quando acionados pela justiça para dar os devidos esclarecimentos sobre os procedimentos estabelecidos, normas e trâmites institucionais.
O estudante também pode trazer novos elementos para a comprovação da utilização da cota. “Tratamos o assunto com muita seriedade e sabemos que, por vezes, apenas as características físicas não são o suficiente. Lutamos para direcionar as vagas a quem tem o direito para avançar tanto na qualidade acadêmica, quanto na construção de uma sociedade mais justa e igualitária e que respeite a diversidade, por isso, temos muito cuidado com essa demanda”, explica Maria Carmen.
Historicamente, a maioria das manifestações apresentadas na UFJF não se configurou como verdadeira. Por isso, a pró-reitora considera como lamentáveis as denúncias infundadas. “Muitas vezes, jovens que já trazem em sua história a vivência de situações adversas pelas desigualdades de nossa sociedade, ao se valerem de um direito porque a ele fazem jus, na oportunidade ofertada em uma perspectiva inclusiva, passam pelo constrangimento de ter ainda que comprovar tanto o direito ao ingresso quanto à permanência”.
Matrícula
Como a autodeclaração não se mostrou suficiente para a garantia do direito à reserva de vagas, foram estabelecidos novos procedimentos de verificação das condições para ingresso, por meio de comissões de heteroidentificação. Elas analisam a condição étnico-racial afirmada pelo candidato. Também há comissões específicas para analisar a matrícula das pessoas com deficiência.
Segundo o diretor de Ações Afirmativas da UFJF, Julvan Moreira, todas as denúncias, relacionadas a esse tipo de fraude, passam pelas comissões. “Nós obedecemos aos critérios estabelecidos. Conversamos com os estudantes, analisamos a questão do fenótipo e, em um segundo momento, buscamos conhecer a ascendência direta do aluno. Temos recebido muitas denúncias e encaminhado as devidas respostas.”
“Explicando de uma maneira mais explícita, há duas comissões realizadas pela UFJF. A comissão de heteroidentificação atua no ato de matrícula, faz a análise do perfil dos estudantes para saber se eles se enquadram no perfil de cotista, ao qual estão declarados, e ali mesmos se resolve a questão. Já no caso daqueles que entraram antes dessa comissão de heteroidentificação, a instituição tem apurado essas denúncias, através de uma comissão de sindicância e, se comprovado que houve fraude, é aberto um processo administrativo e o candidato pode ter a matrícula cancelada”, observa Moreira.
A ouvidora especializada em Ações Afirmativas, Cristina Bezerra, complementa que a investigação é feita por profissionais e pessoas dos movimentos sociais que possuem estudos, pesquisas, vivências e condições de atestar se determinada pessoa tem o direito a cota ou não. “Ela não é baseada no senso comum, há um conjunto de análises realizadas para avaliar a condição do estudante.”
Ela explica que, em meio as delações, há casos, onde o candidato denunciado tem direito a vaga, mas, nem sempre, o fenótipo coincide com o que é considerado negro. “Tomamos todos os cuidados para não cometermos nenhuma injustiça. Procuramos a melhor maneira de garantir a presença de negros, indígenas e do grupo socialmente vulnerável na UFJF. Quando uma caso é arquivado, isso só acontece diante da falta de materialidade ou indícios. Sabemos que é preciso melhorar, mas temos buscado atuar da melhor forma possível.”
Fonte: Assessoria