Cego de um olho, “ninja” Icaro Miguel voa para Tóquio 2020: “Minha deficiência me deixou mais forte”

“Sonhei, amor, e vou lutar para o meu sonho ser real”. O trecho do samba-enredo de 2004 da Unidos da Tijuca, do Rio de Janeiro, serve para ilustrar parte da história de Icaro Miguel, atleta do taekwondo que queria ser ninja, mas, devido a um acidente doméstico, ficou cego de um olho ainda antes de começar a praticar a modalidade. Mesmo com a deficiência, ele buscou na última quinta-feira, (12), a tão sonhada vaga nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020. Mas, assim como o personagem da mitologia grega de mesmo nome, Icaro quer voos mais altos do outro lado do mundo.

 

“Falo que vou ser campeão olímpico desde os dez anos de idade. Desde antes de tudo se tornar assim tão palpável, tão real quanto é hoje, já falava que era isso que eu queria para minha vida. Sem dúvida, Tóquio vai ser um sonho, Japão é um país incrível. Tenho certeza que o show que eles tão preparando para nós vai ser algo inacreditável. A medalha é uma questão de tempo”.

 

Aos seis, Icaro e a família tinham passado uma tarde de domingo em um sítio, no qual o menino aproveitou para ficar o tempo todo na piscina. Ao chegar em casa e ver os olhos vermelhos do filho, devido ao cloro da piscina, a mãe resolveu colocar água boricada para aliviar a irritação nos olhos do filho. Mas confundiu os frascos e acabou pingando amônia no olho direito de Icaro, que chegou a recuperar um pouco da visão, mas a perdeu totalmente ao longo do tempo. O atleta conviveu anos com a deficiência até que chegou a hora de decidir: passar por um transplante de córnea para tentar voltar a enxergar ou seguir o sonho no esporte.

 

“Foi uma decisão difícil, mas sempre soube a resposta, independentemente do que acontecesse. Hoje estou aí, número 2 do ranking mundial, número 4 do ranking olímpico. Costumo dizer que esse problema de visão não influencia em nada. Talvez até me torne mais forte, já que abri mão de um possível transplante, de recuperar a minha visão. Isso me dá mais força para treinar. Naqueles dias mais difíceis, penso: ‘pô, cara, você abriu mão de ter sua visão de volta. Então, vamos, continua!’ Brinco que a minha deficiência me deixou mais forte”.

 

Classificado para os Jogos Olímpicos Tóquio 2020 na categoria até 80kg e vice-campeão mundial, Icaro fugiu do labirinto usando uma fórmula bem simples: não pensar na deficiência como um impeditivo.

 

“Em vez de pensar que não consigo defender porque sou cego de um olho, eu pensava: ‘não consigo defender porque estou errando’. Então, ia lá e treinava mais aquele lado. Teve uma época que minha namorada me ajudava porque perdi muito a noção de profundidade. Eu, maluco, tampava o olho esquerdo, que é o olho bom, e ficava chutando só com o olho direito aberto. Não sabia se fazia sentido ou não, mas era o que fazia”.

 

“Fazia o treino da manhã, o da tarde e, no final do dia, complementava com aquele treino. Coisa de shaolin (estilo do kung fu criado por Bodhidharma, patriarca do budismo). Não via minha deficiência como algo físico, olhava realmente como algo técnico. Estou errando meu tempo aqui? Vou treinar mais que meu tempo vai melhorar. ‘Ah, estou errando a parte do lado direito, o braço está muito aberto?’ Vou começar a defender mais até encontrar o caminho. E acho que meu comando cerebral foi achando sozinho de tanto que fui praticando”.

 

E a prática excessiva o ajudou na realização do sonho de estar nos Jogos Olímpicos, que começou justamente com outro grande desejo. Amante dos filmes de artes marciais, Icaro, natural de Belo Horizonte e criado em Betim, região metropolitana de BH, queria ser ninja e insistiu, mesmo depois do acidente, que os pais o colassem para praticar alguma modalidade. O taekwondo, velho conhecido da família, foi o escolhido. E lá Ícaro ganhou um segundo pai.

 

“Comecei no taekwondo com 8 para 9 anos de idade. Queria virar ninja, ser faixa preta. Então, pedi ao meu pai para praticar uma arte marcial e, por ele já ter feito taekwondo quando era jovem, acabou me indicando. E comecei com o mesmo professor que havia treinado ele: o mestre Martins Abel de Paiva. Foi com ele que me formei faixa preta, tenho contato com ele até hoje. Sou supergrato ao mestre Martins, que me ensinou a ter caráter. Posso dizer que ele é meu segundo pai”.

 

Hoje, Icaro conta com mais dois “anjos da guarda”: os técnicos Clayton e Reginaldo Santos, da seleção e da equipe Two Brothers Team/São Caetano.

 

“Costumo dizer que Clayton e Reginaldo são um só. Trabalhar com os dois, mas não com um só aqui na seleção, é algo que me coloca muito mais perto da medalha olímpica. Estava na semana passada conversando com um deles e disse: ‘cara, a nossa chance de ganhar medalha com a gente junto na seleção é, digamos, de 70%.  Se separar, cai para 30%. O papel deles aqui é fundamental”.

 

Fonte: COB




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