Luzes no Mosteiro de Santa Cruz

Havia apenas iniciado o dia, quando fechou os olhos para sempre, naquela Segunda-feira da quarta semana do tempo pascal. O calendário registrava 23 de abril de 2018. Findava a veneranda e sempre amada Madre Paula Iglésias, Abadessa do Mosteiro Beneditino de Juiz de Fora, depois de 29 anos de missão como mãe espiritual de suas queridas monjas. Havia se internado em hospital, na Quinta-feira Santa, com agravamento de implacável enfermidade contra a qual lutava havia oito anos. Seu quarto ficou iluminado com aqueles primeiros raios de sol, como a luz benfazeja da manhã da ressureição de Cristo.

Vivenciou pela última vez os mistérios pascais nesta terra, cheia de unção e mística alegria que, mesmo em meio às dores, se percebia em seu rosto sempre sorridente e humilde. Depois de se inebriar pela instituição da Eucaristia, do Mandamento Novo e da lição sagrada do lava-pés, pôde compartilhar as dores de Nosso Senhor, naquela Sexta-feira Santa, completando em seu corpo o que faltara à Paixão de Cristo, conforme anunciou São Paulo Apóstolo (cf. Col 1, 25). Passou pelo silêncio da expectativa do Sábado para celebrar a grande festa do Domingo da Ressurreição, vitória de Jesus sobre a escuridão da morte. Nos segredos do amor de Deus, esperou o Domingo do Bom Pastor, para seguir para sempre os acenos do Pai que a introduzia nos prados eternos que sempre esperou e para os quais sempre viveu.

Natural de Cataguases, nasceu no dia 22 de setembro de 1944, como penúltima filha de uma família de seis irmãos. No Rio, para onde a família se transferiu, trabalhou como secretária comercial, sendo louvada como exímia datilógrafa. Tendo o seu coração jovem sempre marcado pelo amor inconfundível a Deus e à Igreja, encontrou em Dom Paulo Rocha, monge beneditino que se tornou mais tarde Abade do Mosteiro da Bahia, o seu orientador espiritual seguro e santo. Ele a conduziu para o Mosteiro de Santa Cruz de Juiz de Fora que havia sido fundado a 13 de junho de 1960, sob os cuidados de Madre Benita Enout, a primeira Abadessa.

Tendo a alma sempre ansiosa pelos conhecimentos das coisas de Deus, no Mosteiro dedicou-se intensamente à vida de oração e aos estudos bíblicos e litúrgicos o que a levou a investir extraordinariamente na revista teológica publicada pela Editora Subiaco, do mesmo Mosteiro. Em 1989, após o falecimento de Madre Benita, foi escolhida pelas suas irmãs monjas para ser a segunda Abadessa.  Tornou-se mãe espiritual não só de suas filhas no claustro, mas de muitíssimas outras pessoas que, de contínuo a procuravam para falar das coisas de Deus e dela receber orientações na vivência da fé e superação de problemas.

Fundou, em 1993, o Mosteiro de Santa Maria da Esperança, em Rio Branco-AC, a pedido do então Arcebispo local, Dom Moacyr Grechi.

Aos 21 de março último, dies natalis de São Bento, ela, percebendo já os sinais de Deus que a chamava desta vida, renunciou humildemente a seu nobre cargo abacial. Ficou marcada para o dia 25 de abril a eleição da nova Abadessa. Veio a falecer justamente nas vésperas desta data. Mistérios de Deus! Após a solene liturgia das exéquias, cantadas em gregoriano genuíno, de beleza mística sem par, com a presença de três bispos, dois Abades, quatro Abadessas, monjas de outros mosteiros, vários sacerdotes e um grande número de pessoas da cidade, foi seu corpo sepultado nos jardins do Mosteiro, enquanto sua alma já havia penetrado nas claridades dos prados eternais.

No dia seguinte, como previsto, a comunidade celebrava a Missa do Espírito Santo, presidida pelo Abade Presidente, Dom Filipe da Silva, do Mosteiro do Rio, e pedia as luzes de Deus para a escolha da sucessora. No primeiro escrutínio das eleições, a bênção caiu sobre Irmã Maria de Fátima Justiniano da Silva, filha muito querida de Madre Paula que a formou desde o seu ingresso na vida beneditina.

Madre Maria de Fátima, nascida em Juiz de Fora, a 17 de abril de 1953, era, quando jovem, assídua frequentadora da Paróquia Santa Rita de Cássia, do bairro Bomfim, à época dirigida pelos padres Crúzios.  Em 1977, formou-se em medicina pela UFJF, e contra a vontade dos pais, mas muito convicta de sua vocação e de seu amor incondicional a Deus, entrou para o Mosteiro de Santa Cruz onde fez profissão solene aos 25 de março de 1984.

As luzes do tempo pascal, provenientes da cruz salvadora do Senhor Jesus Cristo, nunca se apagam, pois, a força da fé, a harmonia do amor e ação perene da graça permanecem iluminado a vida e a morte, qual círio pascal que queima e ilumina, enchendo de beleza o altar.




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