O tempo passa para todos. Até aí, nenhuma novidade. Mas parece passar muito mais para aqueles que, por uma razão ou outra, caíram no ostracismo. Se isolaram ou se excluíram, por imposição ou mesmo voluntariamente, seja no meio social ou em outras atividades que antes eram habituais. São milhares por esse mundo afora. Ficam completamente esquecidos. O cidadão ostracizado existe na estrada como dentro de sua própria comunidade. Ele tem consciência do isolamento, mas em alguns momentos percebe que determinados grupos, mesmo sabendo da importância que ele representou, num passado não tão distante, procuram não falar sobre seus bons feitos. Quando falam, buscam o aspecto negativo, passando por cima das boas ações realizadas.
O ostracismo está presente nos meios artísticos, nos meios políticos e até religiosos. O ostracizado, às vezes, chega a ser dado como morto, de tão esquecido que fica. Não raras as vezes que nos deparamos com alguém que pergunta: o fulano está sumido, será que já morreu? Quando a resposta é negativa, ou seja, que está vivo, a gente nota que a indagação teve uma boa dosagem de malícia. Ele sabe que o cara não morreu, mas externa visivelmente a sua ironia e, na realidade, lá bem no fundo do seu íntimo, está dizendo: já deveria ter morrido.
Há cerca de quatro anos, quando retornava de um curso que estava fazendo de análise política, vi um jovem senhor maltrapilho, completamente sujo, sentado na calçada em frente o prédio. Ele lia um livro e não estendia a mão para mendigar qualquer tipo de esmola. No dia seguinte a mesma coisa. Sempre que eu ali passava, estava ele. Era comum alguns dos alunos se aglomerarem na calçada para falar sobre a matéria do dia. Ele levantava a cabeça, deixando a concentração de sua leitura, ficando por um bom tempo com suas antenas ligadas ao assunto. Confesso que fiquei bastante curioso com a presença sempre constante daquele homem que para mim não significava um simples andarilho estacionado numa calçada. Um dia resolvi, de maneira cuidadosa, puxar assunto, perguntado se ele estava precisando tomar um café ou comer alguma coisa. Ele gentilmente agradeceu e respondeu que estava bem alimentado, retomando sua leitura.
Inconformado com o insucesso da minha investigação, arrisquei dizer que eu pertencia a um órgão de controle de moradores de rua e que precisava ver seus documentos. Para minha surpresa, ele retirou de sua surrada mochila uma sacola contendo uma farta documentação, onde havia uma carteira de engenheiro mecânico. Para chegar ao fio da meada, disse a ele que já havia levado uma vida idêntica durante muitos anos e que um dia resolvi me reintegrar ao convívio social, sendo motivo de muita alegria para meus familiares. Não foi difícil saber que ele havia caído no ostracismo voluntariamente.
Estava ali um homem bem sucedido financeira e profissionalmente que a poeira das estradas havia adotado como um de seus andarilhos. Entrei em contato com a família em São Paulo e, em poucas horas, mãe, esposa e as duas filhas já se abraçavam entre sorrisos e lágrimas, por tê-lo de volta depois de cinco anos de ausência. Enquanto comemoravam o feliz encontro, fui me distanciando sem que percebessem, não para evitar a continuação de agradecimentos, mas para evitar ouvir aquela velha e surrada proposta: você merece uma recompensa pela boa ação que teve. À distância, pude ver que olhavam para todos os lados me procurando.
Minha recompensa está em ter tirado do ostracismo, da poeira das estradas, uma pessoa não só pela sua importância profissional e sim pelo ser humano que se isolou do mundo, cujo motivo preferi não perguntar, já que não tinha o direito de invadir sua privacidade.
Carlos Letra – Jornalista, escritor e colunista; Ex-Assessor de Imprensa do SUS-RJ e Ex-Assessor de imprensa e Assessor Parlamentar na Câmara Municipal de Juiz de Fora