O plenário da Câmara Municipal sediou na tarde dessa terça-feira, 28, audiência pública para debater a situação de crianças e adolescentes que são colocados por seus responsáveis para venderem balas no centro de Juiz de Fora. A reunião foi proposta pelos vereadores Ana Rossignoli (Ana do Padre Federico-PMDB), Roberto Cupolillo (Betão-PT), Charlles Evangelista (PP) e Júlio Obama Jr. (PHS), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude.
Conforme foi afirmado por Obama Jr., estas famílias estão descumprindo o artigo 4 do Estatuto da Crianças e do Adolescente (ECA), que diz: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
“Se a criança está trabalhando, ela não está na escola, não está envolvido em espaços culturais e de convivência familiar”, ressaltou o parlamentar. A partir de denúncias e impressões das autoridades, foi constatado o aumento do número de crianças que comercializam produtos no centro do município ou em bairros considerados centrais em sua região, como Benfica e Manoel Honório.
“Não é nada estranho em algum momento do dia uma pessoa ser abordada por uma criança que lhe oferece balas ou doces. Ela ainda afirma que está fazendo aquilo porque os pais estão desempregados ou, às vezes, até mentem”, ponderou.
O OUTRO LADO
Três mães estiveram na reunião e relataram suas dificuldades. Dois pontos foram comuns entre as falas: a falta de oportunidade e onde ou com quem deixar as crianças. “Para uma mãe de família, e eu estou aqui para comprovar, é muito difícil, não acha que é fácil não. Eu estou desempregada e tenho quatro filhas. Os pais não me ajudam e elas precisam comer”, relatou Tatiane Carmem Vicente, moradora do bairro Marumbi.
Ela relatou que está sem emprego há dois anos e sem receber o Bolsa Família durante esse mesmo período. Suas filhas possuem um ano e oito meses, seis, nove e 14 anos. “Eu queria uma oportunidade. Não tenho estudo, mas tenho força e vontade de trabalhar”, afirmou a mulher, que recorre a igrejas para pedir cestas básicas para alimentar suas filhas.
“Eu não ponho minha filha para vender. Ela fica sentada no Cine Theatro Central enquanto eu vendo, porque elas precisam comer” disse Tatiane. “Quero que elas estudem e tenham um futuro para não passarem por isso”, acrescentou a mãe, que afirmou que aguarda vaga em uma creche para a sua filha.
Tatiane contou que, em uma ocasião, 25 famílias foram ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), situado na zona Leste da cidade, e que apenas cinco cestas básicas foram enviadas e elas tiveram que dividir. “A gente leva as crianças porque a gente mora em bairro perigoso. Se deixo em casa, podem dizer que é negligência ou abandono de incapaz. Se me falassem que tem um colégio integral ou creche para os nossos filhos, te garanto que nenhuma criança seria vista na rua”, ponderou.
Ao final de sua fala, ela pediu que antes de qualquer decisão as autoridades vissem o lado destas famílias. “Hoje, eu vou sair daqui e vou vender caneta porque eu não tenho um pacote de arroz para comer em casa. Além disso, tenho que pagar R$25 porque tive que deixar minha filha com alguém vigiando”, concluiu Tatiane.
RESPOSTAS
De acordo com secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Abraão Ribeiro, em 2016, 41 crianças e adolescentes de 16 famílias viviam essa situação. Este ano, houve uma redução e, atualmente, 30 crianças e adolescentes de nove famílias praticam essa ação. Estes dados foram levantados através de denúncias e da abordagem social, trabalho que também é executado pelo poder Executivo municipal.
“A PJF oferece os nossos programas sociais para ajudar essas famílias que estão em situação de vulnerabilidade social e econômica. São oferecidas creches, o contra turno escolar, o Bolsa Família, o programa Segurança alimentar, no qual elas recebem cestas básicas, para que os pais tenham suporte e trabalhem e ao mesmo tempo as crianças estejam sendo atendidas”, afirmou.
Ele também alertou que os responsáveis precisam ficar atentos ao prazo de renovação dos programas, como o Bolsa Família, e comparecer às reuniões dos Cras. “Elas [famílias] vão a uma reunião e não retornam. Como não voltam, às vezes o cadastro do Bolsa Família é suspenso por conta de informação inconsistente e também não recebem as cestas básicas porque não comparecem as reuniões. A Prefeitura não só entrega as cestas, ela também faz um trabalho amplo com as famílias”, afirmou.
Sobre o caso relatado por Tatiane, o secretário afirmou que houve um equivoco. “Foram distribuídas cinco cestas básicas por que naquele dia cinco famílias compareceram. Se as nove tivessem comparecido, elas também receberiam”, disse Abraão.
VAGAS
Juiz de Fora possui 43 creches espalhadas pelo município. Em 2017, o número de vagas estabelecidas não corresponde a 30% da demanda municipal. “A creche é o nosso maior problema, pois ela não é um direito público subjetivo, apesar de fazer parte da Educação Básica. Isso significa que o país ainda não conseguiu universalizá-las. Temos a previsão no Plano Nacional de Educação e no Plano Municipal de Educação que o atendimento, em dez anos, seja de 50% das pessoas que procurarem o serviço”, relatou a subsecretária de articulação e política educacional, Andréa Borges de Medeiros. Ela também afirmou que no Ensino Fundamental e Educação Infantil toda a demanda foi atendida.
CRIMES
De acordo com o delegado da Polícia Civil, Samuel Nere, a conduta conhecida como exploração de trabalho infantil não é crime, pois não há uma legalização que a incrimina. “Mas o fato da mãe explorar o trabalho infantil pode ser enquadrado em três tipificações. Abandono intelectual, devido ao fato da criança não estar estudando; mendicância , quando o responsável põe o filho para mendigar; e o abandono de incapaz, pois a criança está exposta a todos os perigos da rua”, esclareceu.
Os crimes de abandono intelectual e mendicância são de menor potencial ofensivo e, por isso, podem resultar em três meses de detenção. Já o abandono de incapaz, se resultar em uma lesão grave ou morte, a pena pode ser de 16 anos.