Por que não Deus? Investigando as razões ocultas por trás da rejeição da Hipótese Deus pela academia – Parte 11

Na infraestrutura do paradigma científico contemporâneo, existe um pressuposto fundamental que opera silenciosamente, moldando suas distinções loco-temporais e características singulares.

 

Este pressuposto é dicotômico, baseado em duas ideias-força poderosas e ao mesmo tempo contraditórias: natureza e liberdade. Esses dois a prioris funcionam como pilares implícitos que sustentam em nível mais profundo paradigma científico contemporânea e, portanto, enlaça o campo acadêmico.

 

Um fundamento que não alicerça apenas o conhecimento científico mas o próprio modo de pensar. Está arraigado na cultura e capilarizado em milhares de pressuposições que orientam não apenas a dimensão intelectual mas valores, hábitos, práticas, em suma, a cultura ou, sendo ainda mais radical, o próprio pensamento humano típico de nossa era.

 

Nos atendo, porém, aos seus efeitos no campo científico é premente constatar que, como detém natureza implícita, infraestrutural e profunda, os pressupostos são raramente detectados e, consequentemente, jamais são submetidos ao crivo crítico. Em vez disso, são simplesmente absorvidos como realidades dadas e postas, aceitas sem a devida reflexão sobre suas implicações e tensões internas.

 

E tal blindagem se deve a outro pressuposto, que se tornou o valor máximo da atividade científica:  o mantra da neutralidade do pensamento teórico. Mas este aspecto trataremos no próximo artigo. Por enquanto, seguimos desenvolvendo sobre os dois pilares da cultura ocidental contemporânea.

 

A ideia de “natureza” refere-se a um universo ordenado, regido por leis causais e empiricamente observáveis. A ciência moderna, desde os tempos de Isaac Newton, tem trabalhado sob o pressuposto de que o mundo natural é compreensível, pode ser explorado pelo intelecto humano e conhecido por meio da investigação empírica. Este enfoque na natureza como um sistema fechado e mecanicista, governado por leis imutáveis, é vista como um dado objetivo, um cenário estável que pode ser desvendado através do método científico.

 

A ideia de “liberdade”, por sua vez, refere-se à autonomia do sujeito racional, à capacidade dos seres humanos de exercerem sua vontade e de fazerem escolhas morais e intelectuais independentes d e qualquer primado ou tabu. Esta concepção de liberdade é profundamente enraizada no pensamento iluminista, que relaciona a dignidade humana à capacidade de auto-legislação e à busca do conhecimento e do progresso sem restrições externas.

 

Mesmo considerando os avanços de nível técnico-científico oriundos do motivo base natureza e liberdade, o mesmo tem fracassado flagrantemente na sua ambição de dar respostas satisfatórias para as questões mais profundas da realidade, como a origem e sentido de tudo o que há. Fracasso que se expressa não na falta de respostas (respostas no plural) mas exatamente no incontável número de alternativas, mutuamente excludentes e todas igualmente inconclusivas.

O motivo do insucesso é encontrado em dois motivos: (1) no princípio imanentista que desconsidera razões transcendentes; (2) na contradição inerente entre os próprios motivos base.

 

Focando na segunda razão, percebe-se que essas duas ideias força – natureza e liberdade – são, em última análise, contraditórias. O limiar da incongruência está no paradoxo de tomar a natureza como um fato objetivo e simultaneamente aceitar a liberdade humana como uma condição inquestionável.

 

A concepção de natureza como um sistema determinista e fechado entra em conflito frontal com o ideal de autonomia e autodeterminação humanas. Se o universo é completamente governado por leis causais, onde se localiza a liberdade humana? Se tudo pode ser explicado em termos de processos naturais e determinísticos, o que resta do livre-arbítrio? Na verdade, o primado da natureza bloqueia a capacidade humana autônoma, impedindo-a de transcender os imperativos naturais.

 

Exemplificando com o sinal trocado: nos debates sobre ética na ciência, a autonomia do pesquisador se encontra enredada pela necessidade de respeitar a dignidade humana. Neste caso, os valores exercem poder de veto sobre os avanços científicos sempre que tais parecerem sugerir explicações que se choque com os valores culturalmente estabelecidos. Ora, a liberdade, neste caso, se permite minar a própria ideia de progresso científico, caso este não se adeque a valores. Sendo assim, o imperativo da natureza é bloqueado pelo imperativo da liberdade humana.

 

Afinal onde está o princípio? Na natureza ou na liberdade? Pergunta que remete a outra: como o paradigma científico segue de pé sabendo que assenta-se sobre uma contradição insolúvel?

 

Se furtando a criticar ou examinar essas tensões, o paradigma científico contemporâneo que circunscreve o campo científico absorve esses a prioris como realidades dadas, ora enfatizando um, ora outro, ou mesmo tentando infrutiferamente conciliar um com o outro. Na verdade, a contradição aponta para uma única conclusão crível: o princípio não está nem na natureza nem na liberdade.

 

Mas por que o campo acadêmico mantém sua legitimidade mesmo não realizando aquilo que se propõe? Porque ele se assenta em um dogma igualmente irrefletido e jamais questionado: a suposta neutralidade do pensamento científico. Assunto do próximo artigo, quando falaremos de um dos principais representantes do paradigma em voga: Kant.

 

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