Voltar aos passos que foram dados

As ações em homenagem ao centenário do saudoso José Saramago trouxeram-me à lembrança a visita do premiado escritor português ao Rio de Janeiro, em 2008, na ocasião do lançamento internacional do seu livro “A viagem do elefante”. Jantamos lado a lado, no Hotel Glória, com as respectivas esposas. Ele procurou explicar a origem do seu nome, por parte de pai, que seria cristão-novo, condição de que parecia se orgulhar.

Quanto a esposa, Maria Del Rio, essa então não havia dúvida. De descendência espanhola, sua família fora obrigada a mudar de nome, passando na Espanha a viver na outra margem do rio, em virtude das perseguições religiosas. Detivemo-nos boa parte do tempo em considerações a respeito dos malefícios da Inquisição.

A liberdade de expressão é uma conquista da humanidade. Dela nos servimos, para o bem ou para o mal. Quando Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, destacado  romancista, teatrólogo, poeta e contista, resolveu escrever textos agressivos ao catolicismo, atacando seus mitos, foi francamente repelido pelo que então pareceu uma heresia. Mas teve respeitado o seu direito.

Foi grande amigo do Brasil e particularmente do nosso acadêmico Jorge Amado. Saramago costumava dizer que um dos dois um dia ganharia a láurea da Academia Sueca (1998). Para ele, a escrita, mais do que uma atividade meramente ficcional, é ditada pela necessidade de indagar dos destinos da humanidade, das paixões e dos furores que a determinam. Fez uma escolha fundamental: “Em todas as minhas obras, sempre apontei na mulher a componente salvadora de uma humanidade hoje mais do que nunca à deriva.”

Recusou-se a admitir ser um romancista histórico: “Há uma definição que, de certa maneira, marcou o meu percurso como escritor, sobretudo como romancista e que, tenho de confessar, recebo com uma certa impaciência. Trata-se do rótulo gasto de que sou um romancista histórico…. Vejo a humanidade como se fosse o mar… que é o tempo.”

O autor de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” fez uma aplaudida conferência na Academia Brasileira de Letras, ocasião em que afirmou, convictamente, que “a Língua Portuguesa é muito linda”. Concordamos, acrescentando: linda e difícil.  Mas capaz de produzir pensamentos eternizados pelo talento de gênios como Saramago, tais como a frase: “A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa (…). É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.” Eis o que devemos fazer, em prol da imortalidade da sabedoria.




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