A razão humana se manifesta desde os primórdios da civilização, constituindo o traço distintivo de nossa espécie em relação a quaisquer outras.
Através dela a humanidade desenvolveu três espécies de conhecimentos de extrema sofisticação: a técnica, a sabedoria e a filosofia. Técnica e sabedoria se desenvolveram por meio de vetores distintos em diferentes culturas simultaneamente, porém, a origem da filosofia é tributada aos gregos que constituíram através dela uma forma tão original quanto revolucionária de pensar.
A filosofia se desenvolveu quando os gregos não estavam mais satisfeitos com as respostas de tipo míticas a respeito das três perguntas existenciais básicas: De onde eu vim? Por que estou aqui? Para onde estou indo? A busca por respostas levou aqueles homens a aprimorar o raciocínio ao extremo e, no auge do desenvolvimento da razão, contemplaram Deus.
Não estou me referindo a algum fisiólogo secundário, obscuro, nada disso. Refiro-me aos mais importantes nomes da filosofia grega e helenística, passando por cada uma de suas fases de desenvolvimento.
Xenófanes, o primeiro entre os abstratos da Escola Eleática concluiu que não é crível imaginar a existência de “deuses” no plural e deduziu o Uno. Parmênides, o mais eminente entre os pré-socráticos, constatou que existe apenas um Ser, eterno e imutável que transcende o mundo. Anaxágoras, o primeiro teólogo, percebeu que era necessária a ação de um Nous que pôs ordem ao Cosmos.
O mais incrível é lembrar que os dois filósofos gregos mais proeminentes, os mais influentes entre todos ocidentais, Platão e Aristóteles, também contemplaram Deus. O primeiro o percebia como o Demiurgo que criou tudo o que há a partir da matéria deformada do Caos precedente, o segundo via o mesmo Deus como atitude causacional do movimento criativo que provocou a realidade sensível.
Não se enganem, esses homens não falaram de Deus porque eram religiosos, não foi a piedade que os elevaram à contemplação do Criador, pelo contrário, alguns deles sofreram perseguição dos religiosos de sua época, pois contradiziam a fé dominante que os enredavam. Suas descobertas foram o resultado da filosofia que produziram, do pensamento racional, da lógica conceitual. Eles perceberam que era absurdo imaginar o universo sem Deus.
Por que não nos habituamos a falar da filosofia deísta? Por que parece tão estranho constatar que a razão está conciliada com a ideia de Deus?
Estranhamos porque vivemos sob um paradigma intelectual que decidiu arbitrariamente desconsiderar a “hipótese” da existência de Deus. Uma escolha recente (de acordo com os parâmetros históricos) e que destoa profundamente da longa trajetória de construção do conhecimento ocidental.
Essa escolha enriqueceu o pensamento ocidental? Conseguiu revogar nossas angústias existenciais? Está satisfazendo as nossas reivindicações civilizatórias? As implicações dessa opção têm aprimorado nossa dimensão ética? Estou entre aqueles que acreditam que não.