A três dias da estreia nos Jogos Paralímpicos, judô brasileiro é acolhido no berço mundial da modalidade

A seleção paralímpica de judô pôde vivenciar um momento histórico na reta final da preparação para os Jogos de Tóquio. Nesta segunda-feira (23.08), o grupo formado por nove lutadores treinou no Instituto Kodokan, a primeira escola da modalidade, fundada em 1882 pelo mestre Jigoro Kano. A tradicional instituição, no bairro Shimoya, na capital japonesa, foi batizada de “um lugar para estudar o caminho”, já que o nome é derivado de “ko” (palestra, estudo, método), “do” (caminho ou via) e “kan” (instituto).

Para a líder do ranking mundial na categoria até 70kg, Alana Maldonado, que veio para sua segunda participação nos Jogos com a meta de alcançar o topo do pódio, ter a oportunidade de treinar no instituto significa realizar um sonho, uma experiência que certamente levará energia especial para o tatame.

“É a realização de um sonho estar aqui treinando e participar de uma Paralimpíada no Japão. Vai ser marcante tanto quanto no Rio. Lá eu estava em casa e aqui estou na casa do judô. Então essas duas serão para mim, sem dúvida, as mais importantes”, destaca a vice-campeã paralímpica nos Jogos Rio 2016.

“Já venho com uma bagagem, uma experiência de um ciclo grande e importantes competições. Fui campeã mundial em 2018 (em Portugal) e isso dá uma experiência a mais, faz muita diferença. Estou preparada para realizar meu sonho e ser campeã paralímpica”, garante a atleta da classe B3 (baixa visão).

Com 26 anos, a judoca que começou na modalidade paralímpica com 14 anos, quando foi diagnosticada com a doença de Stargardt, que provoca perda de visão progressiva, coleciona títulos como a prata nos Jogos Parapan-Americanos de Lima 2019; prata na etapa da Turquia da Copa do Mundo 2018; ouro na Copa do Mundo 2019 e 2017 no Uzbequistão. No currículo constam ainda o bronze nos Jogos Mundiais da IBSA 2015 na Coreia do Sul e prata nos Jogos Parapan-Americanos Toronto 2015.

As disputas da modalidade começam na próxima sexta-feira (27) e o palco das lutas será o Nippon Budokan. Além de Alana, compõem o time brasileiro Antônio Tenório (até 100kg), Arthur Cavalcante (até 90kg), Harlley Pereira (até 81kg), Karla Cardoso (até 52kg), Lúcia Araújo (até 57kg), Meg Rodrigues (acima de 70kg), Thiego Marques (até 60kg), Wilians Araújo (acima de 100kg).

Evolução pós-Covid

Aos 50 anos, Antônio Tenório da Silva, atual número 3 do mundo e maior medalhista paralímpico da modalidade, com quatro ouros consecutivos – Atlanta (1996), Sydney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008), além da prata no Rio (2016) e o bronze em Londres (2012) – chega ao Japão ainda em processo de recuperação depois de passar 18 dias com Covid-19.  Após nove dias com a doença, contraída em março de 2021, o judoca ficou uma semana em uma UTI em Itapevi, na Região Metropolitana de São Paulo.

“Toda a equipe parou em 2020. Treinávamos em casa, mas não é a mesma coisa. Quando retornamos em 2021, fui infectado na segunda fase de treinos. Passei os primeiros dias bem, mas no nono dia, senti falta de ar e o nível da minha saturação caiu, o que acarretou em internação. O treino está bem puxado, não estou 100% e sinto bastante desgaste físico, mas tenho evoluído bem e espero um bom resultado na competição”, conta o judoca, que também deseja participar das Paralimpíadas de Paris, em 2024.

Atletas da categoria do paulista de São José do Rio Preto (até 100 kg) competem em 29 de agosto, e as eliminatórias, classificatórias e finais acontecem no mesmo dia. Tenório é da classe B1 – cegos totais ou com alguma percepção de luz – mas nos Jogos Paralímpicos, atletas de diferentes classes podem competir juntos. Seus maiores adversários são atletas de Inglaterra, Estados Unidos, Rússia e Azerbaijão. “Minha chave é forte, mas sigo firme nos treinos. Chegamos aqui no dia 8 de agosto e treinamos em Hamamatsu duas vezes por dia. Agora, no Kudokan, diminuímos um pouco o ritmo, e o treino acontece uma vez por dia”, explica.

Aos 13 anos, Tenório sofreu um descolamento de retina após ser atingido por uma semente de mamona numa brincadeira de crianças. Seis anos depois, uma infecção no olho direito o deixou totalmente sem visão. Como já praticava judô desde os 8 anos de idade, migrou para o judô paralímpico. Na bagagem, coleciona ainda o bronze nos Jogos Parapan-Americanos de Lima 2019, o ouro no Campeonato das Américas de 2018, no Canadá, e em São Paulo 2017; bronze nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto 2015; a prata nos Jogos Parapan-Americanos de Guadalajara 2011; e o ouro nos Jogos Parapan-Americanos do Rio 2007.

Apoio e trabalho coletivo na reta final

Depois da conquista da prata em Londres, nos Jogos Paralímpicos de 2012, a judoca Lúcia Teixeira Araújo, categoria até 57kg, classe B3, conquistou mais uma medalha, também de prata, só que dessa vez com o gosto especial de subir ao pódio em casa, nos Jogos Paralímpicos Rio 2016.

Até então a busca pelo ouro em Tóquio 2020 seguia a todo vapor, mas a pandemia trouxe medo e receio. Será que as paralimpíadas seriam adiadas? O apoio financeiro seria mantido? E o ciclo olímpico de competições, seria interrompido? Para ela e para a equipe de judô paralímpico toda essa indecisão, além do medo de contrair a Covid-19, foi um desafio inesperado, mas que também serviu para perceber que não estavam sozinhos.

A judoca vai competir no dia 28 de agosto. Ela está entre as três melhores do mundo até 57kg e a disputa promete ser equilibrada. “Dentro do ciclo, quando eu saí do Rio, eu subi de peso (até 63Kg). Em 2019, voltei para a categoria até 57kg e deu tempo de ranquear e classificar bem para o Jogos de Tóquio”.

Lúcia nasceu com baixa visão em função de uma toxoplasmose congênita, o que causou atrofia no nervo ótico. A atleta começou a praticar judô aos 15 anos de idade por intermédio dos irmãos. Mas somente em 2006, aos 25 anos, conheceu a modalidade paralímpica. Além das medalhas paralímpicas, Lúcia conquistou o ouro nos Jogos Parapan-Americanos Lima 2019; o bronze na Copa do Mundo IBSA 2018, na Turquia; prata na Copa do Mundo IBSA 2018 no Cazaquistão; ouro no Campeonato das Américas 2017 em São Paulo; prata na Copa do Mundo IBSA 2017 no Uzbequistão; e bronze no Campeonato Mundial 2014 nos Estados Unidos.

Estreia

Meg Rodrigues, que começou no judô paralímpico aos 15 anos, também está confiante para a estreia. Segundo ela, o time vem de preparação muito forte, e além disso, ela pode contar com o suporte das demais colegas que tiveram experiência em edições anteriores.

“A gente teve uma fase de treinamento no exterior de 42 dias recentemente e estamos há mais de duas semanas no Japão treinando e nos preparando. A expectativa está muito boa. As meninas [Alana Maldonado, Karla Cardoso e Lúcia Araújo] já participaram de outras paralimpíadas, então elas têm muita experiência para dividir. Estão sempre me apoiando, dando conselhos e claro que estou ouvindo todos para me concentrar”, conta.

Hoje com 34 anos, a atleta está na modalidade há quase duas décadas e conta que no início buscava mais qualidade de vida por meio do esporte. “Eu estava em busca de uma atividade física para qualidade de vida e fiz uma aula experimental e me apaixonei e nunca mais parei”, lembra a judoca, que também é da classe B3.

Investimento

Os nove lutadores brasileiros em Tóquio são integrantes da categoria Pódio, a principal do Bolsa Atleta, que prevê repasses de R$ 5 mil a R$ 15 mil mensais de acordo com os resultados esportivos dos atletas. O programa de patrocínio individual do Governo Federal, executado pela Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania, está entre as maiores iniciativas do mundo.

Atualmente, o investimento da pasta nesses atletas é da ordem de R$ 96 mil ao ano e durante todo o ciclo paralímpico, o repasse alcançou a marca de R$ 4,2 milhões. Já o apoio total do Governo Federal na modalidade desde 2017 somou R$ 8,6 milhões, que garantiram a concessão de 259 bolsas para 106 atletas.

“O Bolsa Atleta faz toda diferença. Sou muito grata ao programa. Por meio dele eu consegui ter uma estrutura tanto na pandemia quanto no restante do ciclo inteiro. Eu tenho o melhor investimento no meu dia a dia de treino e isso faz toda diferença neste momento para gente chegar preparada e não ter parado num momento tão difícil que o mundo viveu. O programa ter continuado [durante a pandemia] foi extremamente importante”, avalia Alana.

Para Meg Rodrigues, a iniciativa também foi determinante para manter a estrutura de treinamento durante o último ano. “Com a pandemia, as academias de musculação e judô fecharam e tive que me adaptar. Montei um tatame na garagem de casa. Deixava o carro do lado de fora e fazia os treinos com orientações dos senseis e do meu marido, que também é judoca. O Bolsa Atleta foi importante nesse contexto. Além do tatame, tive que comprar o material de musculação para treinar com qualidade em casa. Esse apoio e poder focar só no treinamento é fundamental para todos nós atletas”, considera.

“Antes da pandemia, estava tudo certo, últimas detalhes, últimas competições, aí veio o caos e foi tudo um repreparo. Mas quando tivemos a notícia de que os Jogos foram adiados, foi a melhor coisa que poderia acontecer naquele momento. E todo o apoio que tínhamos se manteve, inclusive o Bolsa Atleta”, conta Lúcia Teixeira.

“Outra preocupação também foi com a preparação para os Jogos. E aí veio a realização de mais competições para definir o ranqueamento e o fortalecimento dos treinamentos, tudo dentro de todos os protocolos, com testes contínuos, cuidados com a locomoção porque as pessoas que treinavam com a gente tinham que usar carros particulares por segurança nossa e deles. Então toda essa atenção foi um trabalho coletivo. A gente está aqui bem preparado porque tanto a gente quanto a CBDV [Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais], a Secretaria Especial do Esporte, o programa Bolsa Atleta, todo esse universo em volta do esporte paralímpico conseguiu trazer a gente para Tóquio com as melhores condições possíveis de segurança”, completa.

Ainda de acordo com ela, suportes como a Bolsa Pódio permitem que o atleta trabalhe com tranquilidade. “Esse apoio nos dá um respaldo para os gastos financeiros pessoais, mas também para os gastos como atleta. Eu tenho condições de acessar o que tem de melhor, como consultas com nutricionistas que trabalham com o alto rendimento. Eu posso decidir a linha ideal para a minha categoria e para o meu perfil. Tanto o Bolsa Atleta quanto o Time São Paulo estão presentes em todas as minhas medalhas paralímpicas. Eu entrei nos dois em 2011 e em todos os meus resultados eles estão presentes”, diz.

Fonte: Rede do Esporte




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