Falta de autonomia e divergência sobre cloroquina o levaram a sair do ministério, afirma Teich

Segundo ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro a comparecer à CPI da Pandemia, Nelson Teich depôs durante seis horas aos senadores nesta quarta-feira (5). Na condição de testemunha, o médico oncologista deu detalhes sobre sua saída do Ministério após apenas 29 dias no cargo; sobre seu posicionamento em relação à cloroquina e sobre seu relacionamento com o general Eduardo Pazuello, que lhe sucedeu no comando da pasta.

Nelson Teich repetiu várias vezes que deixou o governo quando percebeu que não teria autonomia para fazer o que ele achava ser necessário para que o Brasil atravessasse uma crise tão difícil, situação que se refletiu na discordância em relação à cloroquina.

— Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências quanto à eficácia e extensão do uso da cloroquina.  Enquanto a minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia evidência para liberar, existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, até do Conselho Federal de Medicina. Isso aí foi o que motivou a minha saída. Sem a liberdade para conduzir o ministério conforme as minhas convicções, optei por deixar o cargo — explicou.

Distribuição de cloroquina

Ainda sobre a cloroquina, após pergunta do relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Teich disse não ter conhecimento sobre a fabricação do medicamento em laboratórios do Exército. Ele negou também ter distribuído a substância para comunidades indígenas e que tivesse recebido ordem expressa do presidente da República para adoção do medicamento em todo o país.

Teich explicou que se trata de uma droga com efeitos colaterais de risco, sem dados concretos sobre seus reais benefícios, e havia ainda preocupação com o uso indiscriminado e indevido por parte da população.

O relator insistiu, querendo saber se houve a distribuição do produto a partir do Ministério da Saúde.

— Pode ter acontecido, mas nunca sob minha orientação, que era contrária. Estou falando isso porque sempre é possível acontecer alguma coisa. É uma máquina muito grande. Mas não era do meu conhecimento e, se tivesse sabido, não deixaria fazer — garantiu.

Ao abordar também o assunto, os senadores Luiz Carlos Heinze (PP-PR), Eduardo Girão (Podemos-CE) e Marcos do Val (Podemos-ES) reclamaram da “politização” do tema e afirmaram que a ciência está dividida e que há especialistas e centenas de estudos científicos com resultados favoráveis ao medicamento.

— A verdade vai triunfar com o tempo e espero que o ministro Teich não tenha remorso em relação a isso — disse Eduardo Girão.

Teich, por sua vez, sublinhou que é preciso se orientar por instituições internacionais reconhecidas e, por isso, não recomenda o uso desse e outros medicamentos contra covid-19.

Senadores como Otto Alencar (PSD-BA), Zenaide Maia (Pros-RN) e Fabiano Contarato (Rede-ES) se uniram às recomendações do ministro, contrárias ao uso de cloroquina. Otto afirmou que Heinze estava “completamente equivocado” quanto ao tratamento, pois a cloroquina não serve contra covid e pode ter graves efeitos colaterais. Já Zenaide disse que o governo vendeu “falsa esperança” ao povo brasileiro ao incentivar o uso da cloroquina e cobrou do Executivo a publicidade educativa sobre uso de máscaras e isolamento. E Fabiano reforçou que é preciso olhar para o consenso científico, que não recomenda o uso do medicamento.

Vacinas

Em relação às vacinas, Teich declarou que durante a sua gestão começaram as tratativas sobre os imunizantes, mas com foco nos estudos clínicos, e não nos contratos e nas compras. Ao responder ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ex-ministro afirmou ainda que fez contato com três empresas e que integrantes da pasta podem ter conversado com outras instituições.

— No meu período, não tinha uma vacina ainda sendo comercializada, era ainda o começo do processo e foi quando eu trouxe o imunizante da AstraZeneca para o estudo ser realizado no Brasil, para o país ser um dos braços desse estudo, na expectativa de que, trazendo o estudo, a gente tivesse uma facilidade na compra futura — esclareceu.

Para o médico, o país poderia sim ter antecipado na compra de imunizantes; mas, para isso, teria que ter entrado numa espécie de compra de risco:

— São duas coisas distintas: uma é o consórcio e outra é da fase em que você pode fazer a compra no risco, ou seja, se a vacina não der certo você perde. Mas isso envolve um grande volume de dinheiro, então é preciso ter uma posição do país, não apenas Ministério da Saúde. Mas, tendo uma estratégia mais focada em vacina, provavelmente a gente teria tido mais vacina — afirmou.

Mulheres

A participação da bancada feminina na CPI voltou a gerar polêmica. Sem vaga formal no colegiado, as senadoras têm se revezado para fazer perguntas durantes as audiências, a partir de uma permissão do presidente Omar Aziz (MDB-AM).

Segundo o senador Ciro Nogueira (PP-PI), no entanto, não houve acordo para abertura de tal exceção. Ele reclamou e foi iniciada uma discussão com a senadora Elilziane Gema (Cidadania-MA) e com outras parlamentares que estavam na sala.

— Ninguém! Não há um partido político desta Casa que tenha mais representantes mulheres. Agora, se foi um erro das lideranças não indicarem as mulheres, a culpa não é nossa. E a gente fica sempre com o papel de ser o vilão dessa situação? — indagou.

Eliziane Game afirmou ter havido acordo sim e disse não entender o medo das vozes femininas na comissão.

— Somos 12 Senadoras, nós temos, inclusive, direito a destaque, com a alteração do Regimento que nós fizemos. Eu acho até que é algo que a gente precisa debater para que, em casos de comissões que não tenham a participação de uma mulher, que a nossa bancada indique uma. Eu acho que de fato nós precisamos alterar — sugeriu.

Omar Aziz chegou a suspender temporariamente a sessão, mas ela foi retomada pouco menos de dez minutos depois com o direito de fala garantido a Eliziane.  Segundo o presidente, a questão da participação das mulheres ainda será novamente discutida pelo colegiado.

Às 16h38, o presidente da CPI encerrou a reunião por conta da abertura da ordem do dia do Plenário.

Fonte: Agência Senado




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