O relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA) classifica o Brasil como líder de uma triste estatística. O país é um dos primeiros quando o assunto é o assassinato de pessoas LGBTs e trans. Um levantamento realizado Grupo Gay da Bahia (GGB), que há 38 anos coleta dados sobre homicídios relacionados ao público, reforça as informações, e mostra que a cada 19 horas um LGBT é morto ou se suicida, vítima da LGBTfobia.
Em 2017, 445 pessoas morreram no país por serem LGBT. Somente nos quatro primeiros meses deste ano, foram registradas 153 mortes, segundo o GGB. O número poderia ser ainda pior, uma vez que as organizações governamentais não possuem relatórios concretos que evidenciam a violência motivada pela LGBTfobia.
“Apesar de o Brasil ter avançado no âmbito judiciário, no plano da lei ainda estamos longe de garantir os direitos. Não há uma legislação penal que preveja os crimes movidos por ódio aos LGBTs. Não exista tipificação à homofobia, difamação ou agressão às pessoas que não são heterossexuais. A Justiça acaba enquadrando nos crimes que já existem, e isso ainda é um problema, pois interfere na produção de dados em relação aos crimes contra a diversidade. O nosso banco se baseia no que é publicado pela mídia ou em informações pessoais, mas os órgãos de segurança pública deveriam coletar esses dados para conhecermos, de fato, a realidade”, afirma a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e integrante da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Subseção Juiz de Fora, Joana Machado.
Ela explica que o trabalho da comissão consiste em duas vertentes: prevenção e acolhimento, quando se fala no público LGBT. “A gente tenta desconstruir essa cultura heteronormativa, essa ideia de que o correto e normal é sentir afeto ou desejo por uma pessoa do sexo diferente. Por isso, apoiamos todas as iniciativas que tenham esse foco. A outra parte fica por conta do acompanhamento e acolhimento dos casos que chegam até nós. Com base nas denúncias, nos deslocamos para entender a necessidade da vítima e damos o suporte para que ela lute pelos direitos”, diz.
Segundo Joana, casos de discriminação pela orientação sexual no âmbito escolar, do trabalho ou nas ruas são recebidos pela Comissão. Situações de transfobia, que diz respeito à violência contra trans também são relatadas. Essa, por sinal, é a parcela da população mais atingida pela violência no país. De acordo com a Rede Trans Brasil, a cada 26 horas, uma pessoa trans é assassinada no país. A expectativa de vida dessas pessoas é de 35 anos.
Ela reforça que o primeiro passo para erradicar os crimes é promover a educação sexual em todos os níveis escolares, ensinando crianças e adolescentes a respeitar a diversidade. “A questão do ódio está associada à intolerância. O Brasil passa por um momento de reflexão. Tivemos avanços no plano da lei, mas quando eles não vêm acompanhados de um enfrentamento real, tanto na cultura quanto na educação das pessoas, a reação ao avanço conquistado pode ser ainda mais violenta. Vários são os projetos implantados nas escolas sobre a diversidade, mas existem barreiras que impedem que esse assunto seja debatido em sala de aula. O professor não tem liberdade para levantar o debate, o tema é negligenciado e é tratado com tabu. Porém, não se educa a população, sem que ela receba a informação de que a diversidade é muito rica e que as diferenças precisam ser compreendidas”, reforça. “É preciso lutar por novos direitos, pela inserção desse conteúdo no currículo, logicamente que de forma adaptada a cada faixa etária, mas, sem essa discussão, o Brasil não vai diminuir as taxas de violência”, acrescenta Joana.
DIA DE LUTA
Na última quinta-feira, 17, foi comemorado o “Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia”. A data coincidiu com o dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade como doença, e, segundo Marco Trajano, fundador do Movimento Gay de Minas (MGM), celebrou a diversidade contra todos os tipos de preconceito. “É um momento que precisa ser comemorado, mas que não pode ser visto somente neste dia. Os LGBTs e as trans sofrem violência todos os dias. As estáticas mostram isso”, diz.
O MGM oferece, gratuitamente, assessoria jurídica e psicológica para a comunidade gay e seus familiares e atua em parceria de movimentos sociais e o poder público, no sentido de criar políticas públicas que possam erradicar conceitos conservadores. “Em geral, a gente presencia casos de homofobia em âmbito familiar ou na situação de escola, são os mais comuns. O trabalho tem alcançado sucesso, principalmente nas mediações com a família, quando pensamos na construção de um ambiente de pacificação e harmonia. A comunidade gay percebe maior aceitação e fica menos vulnerável a situações de perigo, como exposição a drogas ou prostituição, que pode levar a morte”.
Trajano enfatiza que enquanto não se construir um país democrático, a homofobia não vai acabar. “O dia que conseguimos criar uma força política no Congresso Nacional, conseguiremos criar políticas públicas para essa parcela da sociedade. Infelizmente, ainda nós deparamos com candidatos conservadores, homofóbicos e que difundem ideias ou levantam bandeiras para privar o direito dos LGBTs. Em ano de política, tem que ficar ainda mais atento a esse perfil, se quisermos construir um país democrático”.
O MGM funciona na Rua São Sebastião, 345, 2° andar, de segunda a sexta, de 14 às 19 horas. Os agendamentos podem ser realizados pelo telefone 3233-1818.
UFJF REALIZA CAMPANHA
Para dar visibilidade à defesa dos direitos de todos que lutam por essa causa e conscientizar e informar a sociedade sobre todos os aspectos relacionados a essa temática, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realizou, em parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed), uma campanha com reportagens e vídeos sobre o combate à LGBTTIfobia.
“Nossa preocupação é, mais uma vez, reforçar a importância desse debate para a formação de uma sociedade sem preconceito, onde as diferenças são respeitadas, e nós, temos papel fundamental para garantir esse direito”, explica o professor e diretor de Imagem Institucional, Márcio de Oliveira Guerra. “Esse é o pensamento que precisamos adotar dentro da sociedade, que vive dias de retrocesso, seja por fanáticos religiosos ou políticos que pregam discursos moralistas”, conclui.