Uma aldeia indígena no centro de Juiz de Fora

O pátio do Conservatório Estadual de Música Haideè França Americano se transformou em uma grande aldeia indígena na manhã desta terça-feira, 8. A “tribo” em questão era formada pelos mais de 200 alunos e professores que assistiam, curiosos, os diversos cânticos e expressões do índio Thelektatoa, vindo do grupo Fulni-ô, localizado na região de Pernambuco, no município de Águas Belas.

O encontrou surgiu graças à professora flautista e pesquisadora de culturas tradicionais ancestrais, Nina Oliveira, que em uma viagem ao Rio de Janeiro, conheceu Thelektatoa no Museu do Índio e o convidou para vir a Juiz de Fora se apresentar no conservatório.

O céu azul, os raios de sol por dentre as nuvens e algumas plantas próximas ao pátio trouxeram a naturalidade para o encontro, tanto que, por um instante, todo aquele concreto do entorno parecia não existir. Thelektatoa se posicionou no centro, as crianças e professores se reuniram ao redor. Mesmo que vestido com bermuda e camiseta, o índio tinha na pele e no rosto os desenhos comumente conhecidos. Na cabeça um cocar, no pescoço, colares tradicionais de sua aldeia e nas mãos um chocalho que deu o tom às cantigas apresentadas para o público.

A atenção das crianças estava toda voltada àquela figura diferente e muitas vezes só vista nos livros de história. Em determinado momento do encontro uma grande roda se formou e de espectador, o grande público se tornou dançarino e cantor das músicas tribais.

Os alunos, acostumados com violões, pianos, flautas e demais instrumentos clássicos, estavam ali batendo os pés no chão, pronunciando termos Fulni-ô e dançando ao ritmo de um instrumento tão simples, mas que carrega consigo toda uma história de nossos ancestrais.

Após a grande dança, Thelektatoa, de simples índio se tornou uma celebridade. As crianças tiravam os cadernos de suas mochilas e com a caneta nas mãos pediam autógrafos ao ilustre convidado. Há também que chegasse só para pedir um abraço, para tirar uma foto ou simplesmente para conhecer um pouco mais da história daquele personagem.

Com o retorno das aulas, as crianças voltaram às suas salas e Thelektatoa pode então parar por alguns minutos para conversar com a equipe do Diário Regional.

Com 40 anos de idade, ele explicou sua ocupação em sua tribo e como surgiu a oportunidade do encontro com os alunos do conservatório. “Não sou cacique, nem pajé, apenas puxo os cânticos. Em abril, nós, índios Fulni-ô nos deslocamos de nossas casas para nos apresentarmos nas escolas, universidades e faculdades. Apresentamos nossos cânticos sagrados, mostramos nossa cultura, nosso idioma, nossa língua-mãe que é a língua Yahthe.” Os Fulni-ô são o único grupo do Nordeste que conseguiram manter viva e ativa a sua própria língua, o Ia-tê (Yaathe).

O indígena ainda apresentou algumas curiosidades sobre seu povo e seus costumes. “Não moramos em ocas, nem malocas, moramos em casas específicas de nossa aldeia. Na nossa tribo só existe um pajé e um cacique e somos de 8 a 9 mil habitantes aproximadamente. Nós passamos nove meses perto da cidade de Águas Belas e depois passamos mais três meses em um retiro sagrado, o Ouricuri, aonde só vão os índios, índias e as crianças e tudo é feito”.

O grupo Fulni-ô surgiu a partir de um reagrupamento de diversos povos indígenas que habitavam a região de Pernambuco, principalmente, os Carnijós, Tapuyas, para garantirem sobrevivência e resistência.

Há 20 anos realizando o trabalho de manter viva a tradição de seu povo e difundi-la, Thelektatoa, agradeceu a oportunidade do encontro no conservatório. “É uma satisfação muito boa estar junto das crianças, pois eu também tenho filhos e gosto muito de estar com eles. É um prazer me apresentar e ser tão bem recebido pelas pessoas” finalizou ele, pronunciando alguns termos próprios da língua Yahthe, em gesto de gratidão.

A professora Nina, que vem desenvolvendo projetos com povos indígenas e visitando aldeias pelo Brasil, destacou o valor do encontro entre Thelektatoa e as crianças do conservatório. “A importância desse encontro é mostrar que estamos em um país originariamente indígena. No Brasil, até hoje existem 306 etnias e 247 línguas indígenas que são faladas. Cada povo com sua cultura, com a sua língua, com as suas danças, com sua cantoria e com sua arte. A gente percebe que vive num país que não conhece essa cultura.”

Ela também reforçou a necessidade da presença indígena na educação e lutas dos povos no país. “É muito importante esse conhecimento e essa realidade estar nos centros de saberes, nas escolas. As crianças precisam desse conhecimento e consciência do país em que a gente mora, da realidade dos povos indígenas para terem suas terras demarcadas e a luta pelo respeito às diferenças culturais” finalizou a professora.

Na sexta-feira, 11, Thelektatoa estará em Ibitipoca onde realizará um encontro espiritual de cura, com uma grande fogueira, defumação, danças e cantos. São apenas 15 vagas oferecidas para participação na experiência. Para mais informações e inscrições os interessados devem ligar para o telefone (32) 98866-1138.




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