Abrimos essa reportagem com as frases de Chanel, pois ela é uma das mulheres que marcaram a indústria da moda em uma época em que não se falava sobre a liberdade feminina. “Coco veio com uma estrutura que mudou a forma de ver o corpo da mulher. Ela mesma diz que a moda é como arquitetura, é uma questão de proporção”, destacou Ana Paula Calixto, coach de imagem e comportamento.
Conhecida por criar e popularizar a minissaia na década de 1960, a estilista inglesa Mary Quant foi uma das primeiras mulheres a desfilar por aí com os joelhos à mostra. A autoria da peça gera impasse na indústria. Além da inglesa, o francês André Courrèges, inventor do vestido trapézio, também é considerado um pioneiro da minissaia.
MODA NA ATUALIDADE
A coach ressaltou, que hoje, a maior conquista na moda é a escolha. “A roupa permite você ser o que quiser. Através dela, posso expressar as minhas inseguranças ou conquistas, por ser uma expressão não verbal, e isso é a grande força da moda”, disse Ana Paula. “Fala-se muito da morte das tendências porque as pessoas podem escolher o seu próprio estilo, porém a tendência é uma oferta, um direcionamento e, por isso, nunca vai morrer. O estilo não a anula, e nem vice e versa, pois são complementares. O estilo nada mais é que escolha”, completou.
Ela relembrou que as restrições ao vestuário da mulher é muito menor atualmente. “Antes, as mulheres não podiam mostrar partes do corpo e hoje têm mais liberdade para se vestirem”, pontuou. “A moda é um movimento e se vocês quiser acompanhar, ótimo. Mas o seu estilo também é um movimento”, salientou Ana Paula.
Hoje em dia, também há várias quebras de padrões, afirmou a coach. “Não tem certo ou errado e esses padrões estão caindo por terra. Quando você se sente incluído, se sente bem consigo mesmo e consegue transmitir isso visualmente, te dá um empoderamento. A roupa é uma embalagem que você coloca em vota de você, como você se apresenta ao mundo, por isso tem que investir, e não é financeiramente, mas sim, desenvolvendo técnicas para aprimorar o seu estilo e mostrar a melhor versão de você”, concluiu.
SOBREPESO NÃO É SINÔNIMO DE FEIURA
A blogueira de moda Helena Gomes de Sá passou por esse momento de aceitação. Hoje, compartilha sua experiência no meio fashion para quase 30 mil pessoas no Facebook e 13 mil no Instagram, mas para chegar a esse ponto, precisou enfrentar o preconceito e a baixa-estima. “A moda era, e ainda é, muito opressora para as mulheres. E para mim, uma mulher acima do peso, ainda é mais difícil”, salientou Helena. “Entrar nesse meio da moda, falar sobre isso no blog foi um ato de tentar resolver essa questão que sempre foi difícil para mim. Mesmo na adolescência era árduo encontrar uma peça que tinha a ver com o meu estilo e tivesse o meu tamanho”, relembrou.
O blog Garotas Rosa Choque completa oito anos em maio, porém apenas em 2014 a autora teve coragem de se mostrar para as suas leitoras. “O blog veio para mostrar que a pessoa acima do manequim padrão, que a sociedade e a moda impõem, pode ter estilo, se vestir bem e pode usar o que quiser. Consegui chegar a um nível de autoestima de entender que tenho o direito à moda, que tenho estilo e bom gosto igual a qualquer outra mulher. Então, foi a partir daí que comecei a me expressar através da moda, atrair empresas que viram potencial e despertar a curiosidade nas mulheres que acompanham o meu trabalho”, afirmou Helena.
A blogueira disse que diversos fatores a fizeram demorar a se libertar e o principal era que ela estava em um relacionamento abusivo até o final de 2013. “Essa pessoa me impedia de fazer e crescer. Estava sempre criticando e me colocando para baixo. Em uma ocasião, ele me questionou o porquê de eu ter um blog de beleza se eu era ‘gorda’. Para ele, a beleza não estava relacionada a uma pessoa acima do peso e tudo isso me colocava para baixo, eu acreditava nessas coisas, que eu não tinha esse direito”, contou.
Mas esse não foi o único obstáculo enfrentado por Helena. “Na época, eu também maquiava em alguns trabalhos para alguns fotógrafos. Eles me diziam ‘o seu blog está crescendo, vamos fazer um trabalho’, mas eles não queriam me produzir e me fotografar para o meu próprio blog, eles queriam uma modelo magra”, revelou a blogueira. “Demorei a me tocar que eu podia sim e que o resultado ia ficar ótimo. Em 2014, conheci o Mateus Aguiar, que foi meu fotógrafo por algum tempo. Ele me fotografou e quando o vi as primeiras fotos eu até chorei, porque ficaram maravilhosas e eu nunca tinha me enxergado bonita e com estilo”, relembra.
Helena advertiu que muitas pessoas pensam que a moda é só futilidade, porém tem relação com o direito de ir e vir das pessoas. “Se você não tem uma roupa do seu tamanho, você está limitada e você, por exemplo, não pode ir a uma entrevista de emprego bem vestida. Muitas mulheres não tem acesso e eu mostro [no blog] que tem saída. Antes, a gente via os blogs e looks do dia de meninas magras e não conseguíamos encaixar na nossa realidade. Por isso meu trabalho é importante, porque essas mulheres tem acesso a um conteúdo que não tinham”, ponderou a blogueira. “Se aceitar não é se conformar, é começar um processo de autoconhecimento e perceber os seus limites, sua beleza e deixar o que a sociedade impõe de lado para se enxergar e se conhecer melhor”, orientou.
De uns tempos para cá, disse Helena, algumas marcas tem atendido a necessidade das mulheres acima do manequim 48. “O mercado plus size, mesmo nessa época de crise, é um dos poucos que está crescendo. As pessoas acima do peso estão procurando, querem consumir roupa de qualidade, não querem mais o tipo de roupa que estavam empurrando para a gente. Queremos o mesmo que todo mundo usa”, assegurou.
CABELO CRESPO E A AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA
A falta de produtos no mercado para o público negro e a imposição da sociedade também tiveram reflexo na vida da Denise do Nascimento, uma das organizadoras do Encrespa Geral em Juiz de Fora. O Encrespa é um evento que celebra a inspiração e a valorização do cabelo sem química. “É um evento aberto para todas as pessoas e também tem como objetivo levar alguns elementos da cultura negra para os participantes. Em Juiz de Fora, existe desde 2014 e no ano passado realizamos a 8ª edição. Reunimos um público diverso, de várias idades”, disse Denise.
Aos oito anos, ela começou a usar produtos para alisar o cabelo e os deixou de usar há quatro, quando já tinha 27 anos. “Dentro da minha família não havia essa percepção que os nossos cabelos poderiam existir sem alguma química. Na época da minha mãe, por exemplo, não havia nenhum tipo de ferramenta para manter o cabelo crespo, tanto nos cuidados como na informação sobre o cabelo”, relembrou.
Denise destacou que não foi apenas a falta de suporte para a manutenção dos fios, mas também a imposição de um padrão de beleza. “Minha família, e outras tantas famílias negras, foram influenciadas por esse padrão do que é um cabelo bom e bonito, geralmente associado ao cabelo liso, e o que é um cabelo feio e ruim, associado ao crespo. Existe todo um imaginário construído em torno do cabelo e do corpo negro que faz também, diante dessa imposição de padrão, que as informações e o acesso a elas seja difícil”, alegou.
Um elemento que ainda instiga a colaboração nessa imposição é a mídia. “Os meios de comunicação colaboram invisibilizando a diversidade, esses corpos que são diferentes. Eles determinam e constroem um padrão do que é bonito, invisibilizando outras estéticas que existem”, frisou Denise. “Hoje, ainda vemos poucas mulheres negras na mídia com os seus cabelos naturais”.
Para ela, o processo de aceitação do próprio cabelo impacta a autoestima da mulher negra, pois assim ela consegue ver o seu cabelo natural como algo belo. “A importância é que a gente tem o corpo e o cabelo como suporte de uma identidade negra. Acho que para mulher negra assumir o seu cabelo natural é ter a possibilidade de utilizar um desses suportes. É poder se ver de outra forma em uma sociedade que na maior parte das vezes desconsidera a estética negra e a tem como marginal diante de um padrão de beleza que é branco”, declarou.
Denise também refletiu sobre as mulheres que ainda alisam os seus fios. “Elas não deixam de ser negras e o racismo não deixa de impactar a vida delas porque optaram pelo cabelo liso e relaxado. A grande questão é o quanto o padrão de beleza impacta nessa decisão”, finalizou.
DICA
O Centro Universitário Estácio Juiz de Fora realiza nessa quarta-feira, 7, no Auditório Rachel de Queiroz, uma mesa de debate com o tema “Protagonismo feminino: avanços e desafios”. O evento será mediado pela coordenadora dos cursos de Comunicação da Estácio, Aline Maia, e contará com as participações da professora do curso de Moda e Designer , Selma Flutt, da médica Alessandra Brun, e das empresárias Simone Fernandes e Andrea Rocha.
“Elas vão discutir o papel feminino na sociedade, o protagonismo feminino, e os avanços e os desafios das mulheres tanto no mercado de trabalho como na sociedade de maneira geral”, explicou Ana Paula Calixto, organizadora do evento.