Certa da feliz ressurreição dos que morrem no Senhor, a Igreja entregou nas mãos do Pai, neste janeiro, a vida, a obra e os sofrimentos de Dom Célio de Oliveira Goulart, quarto Bispo da Diocese de São João del Rei.

Numa caminhada de pouco mais de 73 anos, tendo se consagrado a Deus indivisivelmente desde a sua juventude nos caminhos de São Francisco de Assis, abraçou a pobreza evangélica, se tornou missionário, sacerdote do Altíssimo, serviu o Pão do Céu, pregou a Palavra, guardou intacta a fé e espalhou o amor de Deus por muitos lugares. Chamado pela Mãe Igreja ao episcopado, sucedeu os Apóstolos em Leopoldina, depois em Cachoeiro do Itapemirim e, por fim em São João del Rei.

Sua nomeação para a Igreja Particular de São João del Rei, a 26 de maio de 2010, veio satisfazer sua vontade própria, como me confidenciou à época, antes mesmo que se iniciasse o processo sucessório. Perguntei, à ocasião, se ele se sentia disposto a abraçar de cheio esta diocese com tudo o que ela representa de especial, incluindo a sua expressividade tão extraordinária em arte sacra, sobretudo na música que guarda imenso acervo da liturgia histórica e sua legítimas tradições. Ele me respondeu que, embora não tivesse o dom de cartar como gostaria, amava muito estas tradições mineiras como verdadeiros veículos de evangelização, podendo através delas chegar aos corações do povo sanjoanense, pois fora naquela histórica cidade que ele havia começado sua de vida sacerdotal, tão logo fora ordenado presbítero na Ordem dos Frades Menores.

Pôde assim reger aquela Igreja por mais de sete anos e presidir tantas vezes as cerimônias de beleza sem par que acontecem nesta Diocese, além de dar apoio a todas as demais forças pastorais da Igreja local até os últimos momentos de sua existência. Soube colocar em prática as renovações do Concilio Vaticano II sem, contudo, em nada prejudicar as cerimônias históricas, artísticas e piedosas desta terra, que, com todo direito, pode ser destacada como capital da Música Sacra no Brasil. Esta foi uma das virtudes deste Pastor admirável, pois o Concílio Vaticano II não quis destruir nada, mas apenas acrescentar sem ferir, renovar sem demolir. Isto está de fato impresso na Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, quando diz: “Havendo em algumas regiões… povos que têm uma tradição musical própria, a qual desempenha importante função em sua vida religiosa e social, a esta música se deem a devida estimação e o lugar conveniente, tanto para lhes formar o senso religioso, quanto para adaptar o culto à sua mentalidade” (SC 119) .

Frade da Província de Santa Cruz, teve sua vida marcada pela força deste símbolo. Nasceu no dia 14 de setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz; escolheu para lema de seu episcopado Crux Dei Virtus Est (A Cruz é a força de Deus). Como gesto misterioso do amor divino, foi-lhe concedido experimentar a expressividade deste lema no último ano de sua vida, quando lutou na fé contra um câncer no pâncreas, e muito intensamente no último mês no leito hospitalar. Ao entrar da madrugada da terceira sexta-feira do tempo comum da liturgia cristã, dia penitencial em todo o ano, recordando a cruz redentora de Cristo, às vésperas da liturgia do Martírio de São Sebastião, o Pai o aliviou dos seus sofrimentos, chamando-o ao seu feliz convívio na eternidade.

Crux Spes Nostra! Na cruz está de fato nossa esperança, pois se é sinal de loucura para os pagãos, para nós é sinal inconteste de vitória.

 

Dom Gil Antônio Moreira – Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

 




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