“Porque não admitimos nossa necessidade de conhecer e aplicar conceitos sociológicos?!”
Anomia é uma palavra de origem grega que significa: a + nomos, donde ‘a’ significa ausência, falta, privação, inexistência; e ‘nomos’ quer dizer lei, norma. Anomia significa, portanto falta de lei ou ausência de normas de conduta. Quem usou a palavra pela primeira vez foi Durkheim em seu estudo sobre a divisão do trabalho social.
Em resumo, podemos dizer que o estado anômico está presente na idéia de falta ou do abandono das normas sociais de comportamento, indicando desvio de comportamento, que pode ocorrer por ausência de lei, conflito de normas, ou ainda desorganização pessoal.
A grande ambigüidade e a imprecisão do conceito de anomia contribuíram para o seu menor uso em estudos, por certo medo por parte dos autores de enfrentar os problemas de sua exata conceituação.
Diversos autores escreveram sobre o tema, mas vamos utilizar a visão de Émile Durkheim, que nasceu na cidade de Épinal (região de Lorena, França), no dia 15 de abril de 1858. Faleceu em Paris, capital francesa, em 15 de novembro de 1917. É considerado, junto com Max Weber, um dos fundadores da sociologia moderna.
Durkheim conceituou anomia voltado para seu trabalho sobre a “Divisão do trabalho social” como um fato social e patológico que merece análise. Quanto mais a sociedade avançava e os indivíduos que nela viviam se especializavam em suas profissões, esqueciam, assim, do trabalho como um todo, perdendo a noção de conjunto, voltando-se cada vez mais para sua especialização, que pode ser considerada “a arte de saber cada vez mais de cada vez menos”. Em virtude desse isolamento, as normas sociais podem deixar de existir, pois as pessoas perderiam a noção de conjunto de sociedade, voltando-se cada vez mais para si próprias, esquecendo-se da solidariedade que a sociedade necessita. “(…)em suma, o conjunto de normas comuns que constitui o principal mecanismo para regulação das relações entre os componentes de um sistema social se desmorona. Durkheim qualificou tal situação de anomia, no sentido de ausência de normas”.
Em seu estudo sobre o suicídio e ao indicar diversos tipos, Durkheim dá a um deles o nome de “suicídio anômico”, apresentando dois quadros diferentes e aparentemente contraditórios. O estudo indicou um aumento no número de suicídios nas épocas de depressão econômica e nos períodos de prosperidade, em crescimento da economia. O primeiro quadro de aumento do número de suicídios nos períodos de depressão econômica, ocorre por que os indivíduos não conseguem atingir os níveis de vida considerados pela sociedade. Tal fracasso, para muitos, significa vergonha, desespero, futilidade do sentido da vida, que parece não valer a pena ser vivida. Já no segundo quadro, podemos notar que Durkheim quis mostrar que os homens têm desejos ilimitados, não existindo um limite às pretensões humanas, de modo que quando atinjam todos seus objetivos ou percebam que podem conseguir o que quiserem, todas as pretensões passam a valer pouco, criando assim uma espécie de desencanto, conduzindo a um comportamento de autodestruição, ao notarem que podem tudo, considerando as normas de comportamento social inúteis e conseqüentemente abandonam as normas de comportamentos socialmente prescritas, figurando o suicídio em casos extremos.
Em conseqüência para segurança da sociedade além de ter que manter um progresso na busca dos objetivos, de como serão alcançados, ainda assim ela tem que manter bem claro quais são esses objetivos.
CAUSAS DO COMPORTAMENTO ANÔMICO (OU DE DESVIO)
Em qualquer sociedade do mundo, por mais eficientes que sejam as suas normas de conduta e bem estruturadas e aparelhadas as suas instituições jurídicas, vamos encontrar comportamento de desvio, como um verdadeiro fenômeno universal. Pode variar de intensidade – em uma sociedade vamos encontrar maior incidência de comportamento anômico que em outra; vamos encontrar em algumas, maior incidência de um tipo de desvio – mas o fenômeno sempre existirá.
Nenhuma teoria, em nosso entender, esgota o tema da anomia, porque ela tem causas múltiplas. O desequilíbrio entre metas e meios sociais promove uma reação em cadeia, verdadeira bola de neve social, que acaba provocando comportamentos anômicos de diferentes gravidades.
Podemos exemplificar usando alguns exemplos: “Na violência urbana no Brasil, o Estado não se fez suficientemente presente nas áreas favelizadas, permitindo o surgimento do crime organizado, forma mais grave de comportamento anômico. O poder paralelo que assim se instaurou passou a impor suas próprias regras, gerando dúvidas na população quanto às normas a serem observadas (conflito de normas); os líderes comunitários foram obrigados a obedecer ao poder paralelo para não serem mortos ou terem que se mudar; aos poucos se inverteram os valores, perderam-se as referências, mudaram-se os paradigmas. Os jovens, seduzidos pelo tráfico, vivem a ilusão de poder. São viciados, armados, agressivos e vivem aterrorizando a população e se confrontando com a polícia. Os ícones desses adolescentes são as marcas famosas, siglas de facções e armas”.
Se essa é a realidade social, o que fazer para modificá-la? A toda evidência, não existe solução única e milagrosa. A questão tem que ser enfrentada com medidas a curto, médio e longo prazo. Atuação mais firme e organizada da polícia, a reconquista dos espaços perdidos pelo Estado, determinação política das autoridades são, dentre outras, medidas imediatas a serem tomadas. Mas não resolverão o problema. Com o tempo revelar-se-ão paliativas. É preciso cortar o mal pela raiz e não apenas arrancar as suas folhas. É preciso promover as mudanças sociais necessárias nas instituições, nas leis, na ordem econômica para melhorar a distribuição de rendas, reduzir as desigualdades, eliminar a exclusão social, aprimorar a educação, orientar o planejamento familiar, promover ações afirmativas, enfim, diminuir o desequilíbrio entre as metas e os meios sociais.
A inovação deve ser, por isso, uma das principais qualidades dos homens públicos, que tem nas mãos o destino da sociedade. Devem eles possuir um espírito inovador-criador (e não ritualista) para realizar as reformas sociais necessárias nas leis, nas instituições, na distribuição da riqueza, e, assim, tornar as metas mais acessíveis e os meios melhor distribuídos, ao alcance da maioria.
Quando isso não é feito, então, mais cedo ou mais tarde percebemos a organização de rebeliões, pois o desequilíbrio se torna tão grande que não se depara a sociedade com outra solução, a não ser aquela de promover uma total reorganização, estabelecendo novas metas e institucionalizando novos meios.
Então, será que podemos dizer que nossa sociedade está imersa em estado anômico profundo?
Professor Leonardo Barreto Vargas – Psicólogo, Pós Graduação em Psicopedagogia institucional