“Os pobres são o nosso passaporte para o Paraíso”, afirmou Francisco, domingo passado, em sua homilia na Praça São Pedro, em Roma. Com suas surpreendentes iniciativas, ao final do Ano da Misericórdia (2015-2016), havia instituído o Dia Mundial dos Pobres, a ser celebrado sempre nesta mesma ocasião, no 33º domingo do calendário cristão. A primeira versão realizou-se a 19 de novembro do corrente ano, dia em que o Papa não só celebrou a Missa refletindo sobre o tema, mas promoveu um imenso almoço com os pobres e pessoas que trabalham em favor deles, sentando-se ele próprio à mesa com os convivas. O gesto foi repedido em vários colégios de Roma.
O que o Papa pretende com isto? Por que dedicar um dia aos pobres? A resposta vem dele mesmo, afirmando que a omissão, hoje tão comum, é um grave pecado e desconhecer a realidade de miséria e penúria em que vivem milhões de pessoas em todo o mundo constitui degradação da humanidade, fruto do egoísmo e do indiferentismo, que são doenças sociais do mundo hodierno.
Ao iniciar sua carta de convocação, dada aos 13 de junho passado, dia de Santo Antônio de Lisboa, inicia citando o evangelho de São João: “Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade” (1 Jo 3, 18). Os termos do Papa me fizeram recordar a Campanha da Fraternidade de 1968, cujo tema era “Crer com as Mãos”, um dos slogans mais criativos de sua história, segundo minha opinião.
Em sua mensagem, Francisco cita abundantemente textos bíblicos, demonstrando que, segundo Cristo, ninguém se salva apenas pelas práticas de piedade ou de louvores, nem por apenas crer simplesmente, mas também pelas obras que faz em favor dos irmãos, sobretudo os mais carentes. A afirmação tem base no evangelho de Mateus, quando Jesus ensina que, no julgamento final, “O Senhor dirá aos que estiverem à sua direita, vinde benditos de meu Pai, recebei a herança que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo, pois tive fome e me desde de comer, tive sede e me destes de beber, estava nu e me vestistes…” (cf Mt 25, 34-46). Lembra o Papa que se é omisso quando, diante da miséria alheia, consentimos nosso coração dizer: “Não me diz respeito, não é problema meu, é culpa da sociedade. É passar ao largo quando o irmão está em necessidade, é mudar de canal, logo que um problema sério nos indispõe, é também indignar-se com o mal, mas sem fazer nada. Deus, porém, não nos perguntará se sentimos justa indignação, mas se fizemos o bem”, alertou o Santo Padre.
Recordou que o amor que Cristo prega exige gestos concretos e não apenas discursos, pois, como afirma “O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10.19); e amou dando-se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 Jo 3, 16).”
Cita o exemplo de São Francisco, totalmente despojado para servir a Deus nos pobres e como pobre e recorda a pregação de São João Crisóstomo, no século IV, que dizia: “Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm o que vestir, nem o honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez” (Hom. inMatthaeum, 50, 3: PG 58).
A iniciativa de Francisco não é apenas uma proposta para os bilhões de católicos existentes no mundo, mas um grito à humanidade toda em favor dos excluídos e marginalizados que continuam esquecidos por tanta gente.