Estou sempre me deparando com cenas que, na maioria das vezes, fazem lembrar o meu tempo de criança. Isto me faz bem e acaba dissipando aquelas ideias incômodas que por vezes aparecem em nossas mentes tentando desafiar nossa capacidade de suplantá-las. É como se a natureza agisse para tirar proveito de nossa versatilidade e, assim, acaba por alimentar ainda mais nossa imaginação.
Na semana passada, enquanto esperava a chegada do ônibus que faz a linha Belmiro Braga-Juiz de Fora, fiquei encantado com um menino que corria atrás de um passarinho, na verdade era um bonito periquito, tentando pegá-lo, como se ele fosse um de seus brinquedinhos. A mãe, mesmo atenta com suas agulhas de tricô, de vez em quando lançava seu olhar para o filho, que não desistia de sua caçada ao pássaro, o qual também parecia gostar da brincadeira, já que não se mostrava tão assustado. Voava em volta da praça e, como se estivesse desafiando o menino, pousava perto dele. É que, naquela área, havia algumas migalhas de alimento que o bichinho não conseguia comer. Quando começava a dar umas bicadas, lá vinha o menino tentando surpreendê-lo, o que era em vão.
Eu não só achava graça como também analisava nos mínimos detalhes o duelo que ali estava sendo travado. Quando o pássaro alçou mais um voo, o menino começou a acompanhar a sua trajetória e acabou se postando justamente em cima onde estava o que mais interessava o bichinho. Atento a sua aterrissagem, o menino, por algum momento, se mostrou frustrado ao não ver mais o passarinho. Olhava atento para cima, para os lados e nada via. Sentou-se no chão e começou a chorar baixinho esfregando os olhos com os dedinhos. A mãe, ocupada com seu tricô, não notou nada de anormal e continuou seu trabalho manual, quem sabe uma blusa de lã para o próprio filho, já que o inverno havia chegado.
Mesmo sentado, o menino ainda olhava em direção a uma árvore na esperança de ver o seu companheiro fujão. Do meu posto de observação podia ver com riqueza de detalhes o comportamento silencioso da mãe e a ansiedade do filho. Eu, até que já não estava me importando com o atraso do ônibus. Á esta altura, já me sentia envolvido com o que estava vendo. Queria saber o desenrolar da contenda vivida naquela pequena praça que, dado ao horário, somente nós três – eu, o menino e sua mãe – ali se encontravam. No intervalo provocado pela ausência do passarinho e a paciência daquela criança em esperar seu retorno, me vi num passado já muito distante, quando também por várias vezes tentava correr atrás de passarinhos, achando que poderia ser mais rápido do que seus voos alçados com aquelas pequeninas, mas ágeis asas que Deus lhe deu para a plena liberdade de passear sob os céus e, ao entardecer, buscar seus abrigos nas árvores.
De repente, eis que o show recomeça na pracinha. Para a alegria do menino o seu encantado periquito volta e, desta vez, se comporta de maneira diferente. Não se assustou com a aproximação daquele que tanto queria tê-lo sob seu domínio. Fiquei surpreso, não podia acreditar no que eu estava vendo. Aquela avezinha solitária parecia pedir que a pegasse pacificamente. E foi o que aconteceu: a mãozinha direita na forma de uma concha permitiu que o pássaro fosse elevado até a altura do seu rosto, para receber o carinho que tanto precisava.
O menino, vagarosamente, caminhou em direção à sua mãe para mostrar o novo amiguinho que acabara de conquistar. O bichinho fechou os olhinhos e enfiou a cabecinha embaixo da asa, uma forma clássica de dormir. A mãe não conseguiu segurar as lágrimas que banhavam seu rosto, o que chamou a atenção do menino que perguntou por quê ela estava chorando e, teve como resposta: “nosso amiguinho está com sono, vamos levá-lo para casa e cuidá-lo com muito amor e carinho”.
Lembrei-me que há poucos dias um periquito igualzinho havia fugido da gaiola no centro de Juiz de Fora. Soube disso pela própria dona do pássaro, a pintora Lavínia Marques Macieira, que me falou, saudosa: “espero que quem o encontrou, o trate com o mesmo amor e carinho como eu o tratei há quase um ano”.
Aproximei-me da mãe do menino e disse que conhecia aquele bonito periquito. Contei a história. O menino rapidamente perguntou qual era o nome dele. Respondi que se chamava Tuko. Segurando o bichinho com suas pequeninas mãozinhas, disse: “mãe, vamos levar o Tukinho para dar comidinha pra ele”.
Confesso que não esperava um final tão comovente na Praça Santana, na pacata e acolhedora cidade de Belmiro Braga (MG). O ônibus chegou, embarquei e, durante a viagem para Juiz de Fora, ainda carregava na mente e no coração momentos de tantas emoções vividas por um menino e um solitário passarinho que acabou ganhando uma nova família, apesar de ter deixado para trás a sua fiel companheira Teka, que ficou triste durante muito tempo. Mais tarde, acabou conhecendo a periquita de nome Quita e vivem alegremente, se bicando, se beijando, como se fossem irmãs. Dá para notar que a Teka ainda sente falta do seu Tukinho. Um sinal de que o amor nunca morre.
Texto de Carlos Letra – Jornalista, escritor e colunista; Ex-Assessor de Imprensa do SUS-RJ e Ex-Assessor de imprensa e Assessor Parlamentar na Câmara Municipal de Juiz de Fora