Educação e Inteligência Artificial: possibilidades e contradições

Quais seriam os temas relevantes da atual agenda brasileira de debates educacionais? Enquanto muitos acreditam que propostas bisonhas como a autodenominada “Escola Sem Partido” encerram alguma relevância para a educação brasileira, o debate contemporâneo sobre os caminhos do ensino e da aprendizagem passam por outros caminhos rumos.

Em recente matéria da BBC Brasil, Paulo Adamo Idoeta chama atenção para o fato de que a introdução da Inteligência Artificial (IA) poderia encerrar grande potencial de mudança positiva na tradicional relação professor-aluno. Em sua versão atual, a IA aplicada à educação aparece na forma de uma plataforma virtual que apresenta ao aluno um leque de opções didáticas.

Em destaque, planos de estudo que disponibilizam uma gama variada de objetos de aprendizagem tais como vídeos, textos, simulações de fenômenos naturais, atividades, exercícios etc. Além disso, à medida que o aluno avança, o sistema é capaz de indicar, via algoritmos, seu grau de desempenho em cada matéria e aconselhar as medidas que ele deveria tomar para superar suas dúvidas e dificuldades.

O leitor pode estar se perguntando, bem, se é assim, para que professores? A pergunta é legítima, mas não se aplica ao uso da IA na educação e, muito provavelmente, nunca será pertinente. Na verdade, a IA não passa de uma coleção de ferramentas estatísticas que é capaz de fornecer tanto mais orientações ao aluno quanto mais ele utilizar o sistema. Por seu turno, os professores podem planejar aulas muito mais eficientes e que não se encerram no momento da relação presencial com seus alunos.

Nessa acepção, o conceito de aula é estendido para os momentos anteriores e posteriores ao encontro em sala de aula. Assim, os professores podem selecionar online os temas da aula; solicitar aos estudantes que leiam os textos e assistam aos vídeos para se prepararem para a aula e, após o encontro com os alunos, recomendar a realização de exercícios e atividades disponibilizados na plataforma digital.

Nesse período, os professores e a equipe pedagógica podem acessar gráficos informando o grau de compreensão da turma; qual a porcentagem de alunos realizou os exercícios corretamente e quais os pontos críticos de cada um para a completa compreensão e assimilação dos conteúdos da aula.

Sem rodeios, trata-se de um recurso singular para equalizar o desempenho educacional de todos os alunos de uma mesma turma. De fato, em turmas com 40 alunos, é praticamente impossível para o professor saber qual a dúvida de cada um, mas as ferramentas de IA fazem isto, apresentando o perfil de cada aluno em relação ao grau de dificuldade quanto aos tópicos da aula de modo escalonado.
Estaríamos, então, diante de um recurso capaz de proporcionar uma verdadeira revolução na educação escolar? É aconselhável mais contenção diante de um eventual entusiasmo inicial.

Para um bom uso da IA na educação, faz-se necessário saber qual o problema que a nova tecnologia pode resolver. É sempre bom lembrar que não há soluções técnicas para problemas políticos. O atual quadro de desigualdade educacional da sociedade brasileira não foi resultado de decisões tecnicamente equivocadas, mas sim de decisões politicamente perversas.

Por exemplo, segundo o Censo Educacional 2016, apenas 56% das 183,3 mil escolas básicas do Brasil dispõem de internet com banda larga. Isto significa que 44% de nossas escolas simplesmente não poderiam oferecer este recurso tecnológico, mesmo que elas se dispusessem a adotá-lo.
E onde estão localizadas essas escolas? Não é difícil saber.

A imensa maioria são escolas públicas localizadas nas periferias das grandes cidades ou em estados e municípios pobres de nossa federação. Independentemente da localização das escolas, é muito provável que o uso da I A na educação venha a aumentar a distância entre estudantes ricos e pobres.

O Brasil tem uma dívida social colossal para com sua população socialmente mais vulnerável, e a oferta de uma educação escolar de qualidade poderia criar as bases para resgatar essa dívida. Porém, esta possibilidade hoje parece estar para além do horizonte, seja qual for o avanço tecnológico verificado na área educacional.

 


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Eduardo Magrone – Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Avaliação da Educação Pública da mesma universidade.




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