Elencando problemas e enxugando gelo

Mais uma vez ele é apreendido: quinta, sexta, sétima e já perdeu as contas, mas o “dôto” sabe, está tudo registrado. Ele é adolescente, morador de bairro pobre, sem infraestrutura e recursos. A família construiu uma casinha no alto do morro e a mãe, que teve vários filhos, mal conseguia tomar conta de uma só criança. Já o pai, esse “sumiu no mundo”. Restou-lhe o colo da vovó, cansada e sem saúde, com seus setenta anos e bolinha.

Planejamento familiar, primeiro problema. Quando pequenino era lindo, todos amavam, criança cativa a gente, né?! Mas aos doze começou a ter vontades. Adolescente ter vontades? Absurdo! Tabefe e chinelada. Diálogo e reconhecimento, nosso segundo problema. Nessa altura já não ia tão bem na escola, afinal o professor estava cansado, ganhava pouco, a sala lotada, zero cultura e só tabuada.

Ceifado do direito a uma educação de qualidade, terceiro problema. Estudar já não lhe era do agrado, em casa nada de bom, sobrou a rua, mas, menino esperto, conseguiu um “aprendiz” aos quatorze anos. Contudo, tinha que passar pelo bairro rival para chegar ao trabalho. Que pena, perdeu a oportunidade. Bairro rival? Em Juiz de Fora? Lorota! Resposta tola para quem não tem empatia com a realidade do outro, nosso quarto problema.

Então foi intimado, proposta boa, dinheiro fácil. O “chefe” queria um menino para vender os “bagulhos”. Aceitou. Ele queria o celular novo, com câmera, gostava de tirar fotos, e também, se não aceitasse, o que aconteceria? O “chefe” falou que daria “um trato na vovó”. Foi melhor aceitar? Afinal, a realidade do adolescente rico que consome é cruel; o outro tem e você não. A vontade pode ser destruidora. Escolha errada aos quinze anos, nosso quinto problema.

Poderia passar mais algumas boas linhas escrevendo a história dessa personagem, que se repete todos os dias nas páginas dos jornais, acompanhada de calorosos comentários no Facebook, em que me recuso a repetir, de que a culpa disso tudo é do famigerado ECA. Embora, a grande maioria, talvez quase todos, jamais tenham aberto o Estatuto, quiçá qualquer outra lei que lhe diga seus direitos, mas a culpa é do ECA.

Outros tantos dizem que atuar contra o tráfico de droga que utiliza adolescentes como meio é enxugar gelo, mas já pensou se desligássemos o congelador? Dar a oportunidade e garantir os direitos. Problemas sociais como esses não são solucionados com respostas simples e nem quer dizer que os adolescentes não devam ser responsabilizados. Mas voltamos à aquela velha questão: políticas públicas efetivas e leia o ECA.

 

 

Luciano Franco Ribeiro – Advogado, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Crianças, Adolescentes e Jovens da OAB/JF, Especialista em Direito da Criança e Juventude
e Mestrando em Direito Constitucional                                                                                                                                                                                                                                       

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