O forró, o bolsa-família e o batizado da menina

O caso ocorreu há alguns anos. Não era uma audiência como as outras. A moça queria que a outra lhe anotasse a Carteira de Trabalho e lhe pagasse os seus direitos. A “patroa” chegou à audiência e reconheceu apenas um ano de trabalho. Eram ex-cunhadas, ambas acompanhadas de seus respectivos advogados, e a empresa era um restaurante e lanchonete.

– Não anotei a Carteira dela, porque ela disse que estava recebendo bolsa família e auxílio-creche! E, no final, ela mandou recado pela sobrinha, falando que ia pro forró e que não voltava mais.
– Não! Foi ela que falou que ia trazer a irmã pra ficar no meu lugar! E ainda me fazia andar uns 25 minutos a pé todos os dias pra chegar no serviço!

Respirei fundo.
– Não seria melhor vermos primeiro quanto tempo durou esse contrato? – perguntei.

– Quando entrei, a minha filha tinha 3 meses e agora ela fez 2 anos.
– Não! Você entrou, antes do batizado da sua filha!

Outra respiração profunda.
– Quando foi o batizado da sua filha? – perguntei, um pouco de impulso.

E permaneci alguns segundos perplexa, pensando jamais imaginar que saber a data do batizado de alguma criança fosse relevante para uma audiência trabalhista. Em seguida, fiz as contas, de acordo com as informações que me indo sendo prestadas e concordamos: a menina foi batizada com 18 meses. Apesar de os advogados permanecerem um pouco resistentes àquela conversa completamente desvinculada de conceitos jurídicos, concitei-os a continuar dialogando, enquanto despachava alguns assuntos urgentes ou ia adiantando alguma audiência mais rápida do dia.

O tempo e as audiências se sucederam. Quando pude retornar ao caso específico, eles haviam chegado a um consenso. Estavam todos até sorridentes. Preciso reconhecer que, para os ali diretamente envolvidos, um julgamento, mesmo que fosse uma obra jurídica perfeita ou o produto do trabalho obstinado do juiz após o dia cheio de audiências, não teria resolvido tão bem a pendenga. O mal-entendido havia se dissipado e o acordo parecia ter posto fim ao processo e ao conflito.
Essa foi uma conciliação trabalhista bem-sucedida, em pleno tumulto da vida quotidiana de uma vara do trabalho e em meio a muitas pessoas no mesmo ambiente com diferentes interesses e diversas situações processuais.

Outros casos não têm o mesmo desfecho, por múltiplas razões, inclusive falta de condições de tempo, persistência, escuta, lugar adequado e acolhimento. Às vezes, falta também receptividade por parte dos envolvidos, por vários motivos, alguns legítimos, outros que talvez pudessem ser revistos. Vamos falar da teoria e da prática das soluções consensuais?


 

Marta Halfeld.JPG Martha Halfeld F. de Mendonça Schmidt, Juíza do TRT-MG e do Tribunal de Apelações da ONU. Doutora em Direito pela Universidade de Paris II e UFMG.




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