Exploração do trabalho infantil nas ruas do Centro é problema antigo

Crianças e adolescentes nas ruas e nos semáforos da cidade já se tornaram algo recorrente. Trata-se de um problema social e estrutural que parece ser difícil de equacionar. No cumprimento da função, o conselheiro tutelar Abraão Fernandes Nogueira, do Conselho Tutelar da Região Centro-Norte, lida quase que diariamente com casos da exploração de mão de obra infantil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 27 anos neste mês. Como parte das comemorações, Abraão foi um dos profissionais que estiveram na Rua Halfeld no dia 13 de julho para transmitir conhecimento à população sobre a importância do Conselho Tutelar e a finalidade do ECA. “Eu e outros colegas de profissão nos deparamos, nesse dia, com algumas mães e crianças vendendo balas. Essas mulheres disseram que se não levarem os filhos à cidade, ninguém compra os doces. Sempre damos a orientação que trabalho infantil é um crime previsto no código penal”, conta o conselheiro.

Nesse sentido, o art. 4º do ECA também diz: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Abraão conta que a situação de crianças que realizam trabalhos forçados pelos pais nas ruas do Centro é algo que vem crescendo nos últimos anos. “Não temos um levantamento, pois não somos informatizados, mas percebemos no nosso trato diário o aumento desta prática criminosa. Por outro lado, a sociedade está mais articulada e tem exigido respostas mais rápidas do Conselho Tutelar e poder público municipal. Com frequência, recebemos denúncias de mães que batem nos filhos que não querem realizar a venda dos doces. Em outros casos denunciados também são relatadas agressões verbais”, explica Abraão, ressaltando que os conselhos tutelares possuem uma articulação não só com os serviços sociais da Prefeitura, mas também com a Vara da Infância e Juventude e o Ministério Público.

CONSELHEIRO RECEBE AMEAÇA

Nesta terça-feira, 25, Abraão Fernandes publicou em sua página no Facebook a cópia de uma ameaça de morte recebida pelo aplicativo WhatsApp. Na mensagem, a pessoa, não identificada, diz ter sido intimada a comparecer na Vara da Infância e Juventude para prestar esclarecimentos sobre o fato de sua filha estar vendendo bala nas ruas do Centro. “Se você brotar aqui no meu morro vai tomar bala na cara”, diz parte do texto.

O conselheiro diz não se lembrar da criança ou da pessoa que o ameaça e atribui à mensagem “uma tentativa de intimidação”. “Faço muitas abordagens e lido com muita gente, por isso não faço ideia de quem possa ter me encaminhado esse texto. Meu celular, de certa forma, é público, pois o divulgo amplamente. O caso já foi encaminhado às autoridades competentes. Vou continuar fazendo o meu trabalho a favor das crianças e dos adolescentes”, revela Abraão.

UNIDADES INSUFICIENTES

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), na resolução 139, revela: “Para assegurar a equidade de acesso, caberá aos municípios e ao Distrito Federal criarem e manterem conselhos tutelares, observada, preferencialmente, a proporção mínima de um Conselho para cada cem mil habitantes”. Entretanto, Juiz de Fora possui apenas três conselhos tutelares que atendem as regiões Leste, Sul/Oeste e Centro/Norte e são insuficientes à demanda populacional do município.

Questionada, a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) não se posicionou a respeito do que diz a resolução 139 do Conanda até o fechamento desta edição. Porém, por meio de nota, a Secretaria esclareceu que, através do serviço de abordagem social (trabalho de campo nas ruas e nos bairros), busca identificar quais são as famílias com crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. A partir desta identificação, as famílias são encaminhadas aos Creas para serem inseridas no PAEFI – Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos, que compreende ações de atenção e orientação, visando a promoção, a prevenção e o fortalecimento de vínculos familiares e sociais.

“As famílias também são encaminhadas para serem referenciadas no CADúnico, com objetivo de terem acesso a benefícios sociais. Além disso, as crianças, adolescentes e seus familiares são encaminhados para os serviços socioassistenciais existentes no município. O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), bem como os conselhos tutelares, empreendem ações de conscientização das famílias, inserção na rede socioassistencial e orientação acerca dos malefícios do trabalho infantil”, diz a nota da SDS.

PEDIDO DE INVESTIGAÇÃO PROTOCOLADO

Na quinta-feira, 20, o Conselho Tutelar Centro/Norte protocolou um ofício na delegacia, direcionado à delegada Patrícia Ribeiro de Souza, solicitando intervenção da Polícia Civil para investigar os casos de exploração do trabalho infantil de crianças no Centro da cidade. “Que elas possam responder inquérito criminal não só pelo trabalho ilegal e forçado, mas pelas práticas de maus-tratos”, defende Abraão.




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