Pesquisadora avalia importância do Dia Internacional da Mulher Negra

Mulher negra, sem direitos, apenas deveres! Chicoteada no tronco e, invariavelmente, obrigada a atender às vontades sexuais do senhor da Casa Grande. No mundo contemporâneo, o cenário é outro e muito mais favorável. Porém, a palavra “igualdade” ainda está longe de ser o termo pós-moderno que define as relações humanas. “O Brasil é um país que teve quase quatro séculos de escravidão”, pontua Carolina Bezerra, mestre e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), que exalta ainda a importância do Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha, celebrado nesta terça-feira, 25. “O intuito é discutir as desigualdades que as mulheres negras vivem na atualidade e que são oriundas de uma estrutura escravocrata”, esclarece.

Para Carolina, que também é pesquisadora das relações étnico-raciais, as reflexões propostas pela data, celebrada desde 1992, trazem à tona uma avaliação não só do processo histórico nacional, mas abarcam as populações de outros países latinos e do Caribe. “Essas populações tiveram um desenvolvimento histórico com características similares em relação ao modo de enxergar a mulher negra. No topo da pirâmide social está o homem branco, depois a mulher branca, seguida do homem negro e, por fim, a mulher negra, na base dessa estrutura. Isso incide numa série de questões que ferem os direitos humanos. 50% da população brasileira é negra, sendo que as mulheres ganham salários extremamente inferiores para desenvolverem as mesmas funções”, avalia Carolina, que também atua como docente no Colégio de Aplicação João XXIII e é ex-diretora de ações afirmativas da UFJF.

UM PEQUENO PEDAÇO DA PLURALIDADE DA VIOLÊNCIA

Filha de imigrantes nordestinos em São Paulo, Carolina Bezerra carrega na bagagem as lembranças dos preconceitos que vieram cedo ao seu encontro, ainda na infância. Eis a violência com roupagem de racismo. “Comecei a lidar com esse tipo de situação na escola, quando era bem pequena. Entretanto, os meus exemplos e motivação vieram de dentro de casa. Minha mãe é uma mulher negra que estudou só até a 4ª série, e minha avó é analfabeta. Carrego comigo, sobretudo, a história delas, que foram subjugadas, mas, ao mesmo tempo, entenderam que o estudo poderia ser minha libertação; uma forma de ter independência financeira e intelectual”, conta.

Em 2016, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) recebeu 140 mil relatos de violência em todo o Brasil. Desse total, 60,53% das vítimas são mulheres declaradas negras (pretas e pardas). O Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), aponta um aumento de 54%, em dez anos, no número de mortes violentas de mulheres negras, passando de 1.864, em 2003 para 2.875, em 2013. “Elas são vítimas mais frequentes do feminicídio e ainda possuem menos direitos humanos, civis e políticos”, pontua.

De acordo com os dados do Ministério da Saúde, a mortalidade materna na mulher negra tem aumentado nos últimos anos, ao contrário do observado na média da brasileira. Cerca de 60% dos óbitos maternos registrados no país são de pretas ou pardas. O principal motivo de morte materna entre mulheres negras é a hipertensão, seguida de hemorragia.

“A mulher negra é desrespeitada em diversos aspectos, como na maternidade, na terceira idade, na velhice e no mercado de trabalho. Logo, o Brasil e os demais países da América Latina se tornam lugares nos quais a ONU, o Banco Mundial e várias agências internacionais começam a perceber a realidade da discrepância do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e como isso impacta negativamente a sociedade de modo geral. Isso se deve, principalmente, a uma interseção entre a dimensão do racismo estrutural da sociedade brasileira e de gênero”, finaliza a pesquisadora.




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