Não porque o início do inverno acontecerá daqui a três dias, mas porque apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, que nos conecta, estamos cada vez mais afastados do calor humano.
As pequenas gentilezas, os gestos de respeito e tolerância esmaecem sob o desenvolvimento científico, sob os jargões e tecnicismos jurídicos, sob o partidarismo social, sob os politicamente corretos…
Nos encastelamos em nossas convicções e nas bolhas daqueles que comungam de nossas opiniões e esquecemos que o próximo, aquele que teoricamente deveríamos amar, é exatamente o que não comunga conosco dentro das nossas muralhas políticas, religiosas, sociais.
Só pensamos no “próximo” na hora em que temos que delegar a culpa.
Estamos frios, indiferentes? A culpa é do próximo.
Há uns dias atrás, um rapaz foi pego tentando roubar a bicicleta de um idoso. Culpa de quem? Da sociedade que não deu oportunidades para esse pobre rapaz, ou seja, do próximo.
Aí duas pessoas que viram a cena pegaram o bandido suspeito no flagrante e tatuaram sua testa, como ato catártico, medieval ou de Talião, a seguinte frase: “eu sou ladrão e vacilão”.
Roubar é crime, mas fazer justiça com as próprias mãos também. Ainda mais fazer justiça contra quem apesar de estar roubando na verdade é vítima (da sociedade).
Mas os tatuadores têm culpa pelo seu ato? Claro que não, a culpa é do sistema judiciário, que não é eficaz e acaba sendo tolerante e permissivo com a criminalidade, punindo, no fim das contas, as pessoas de bem (as vítimas das vítimas da sociedade). Ou seja, a culpa é do próximo.
A justiça é lenta, pesada e ineficaz. Culpa dela? Claro que não. As leis são cheias de brechas e feitas por pessoas que estão mais interessadas em criá-las para proteger a si próprios e seus interesses.
Os congressistas, senadores e poderes executivos é que fazem as leis, que teoricamente são isonômicas, ou seja, onde todos são iguais perante as leis. Mas os legisladores são “mais iguais” do que os outros e há uma série de benefícios que só se aplicam a eles mesmos. Assim, a culpa do judiciário ineficiente é do legislativo, ou seja: o próximo.
Os políticos, por sua vez, não são os culpados por isso tudo, pois foram eleitos por pessoas com suas mesmas características, que só pensam em garantir o seu lado primeiro (só o MEU político não é assim).
Então a culpa dos políticos corruptos, inescrupulosos e interesseiros é deles? Claro que não. Eles são vítimas do voto popular. Inclusive do povo que vota, com a tatuagem na testa ou não.
O tatuado foi vítima do tatuador, que foi vítima do judiciário ineficiente, que foi vítima do legislativo, que foi vítima do tatuado. Ou seja: ninguém é o responsável, ou todos são, individualmente, responsáveis? Só uma dessas respostas leva à solução.
Vivemos tempos frios. Mas, se a culpa é do próximo, para que EU vou me “esquentar com isso”.
E apontar os defeitos e erros (do próximo) é mais fácil, além de parecer mais culto.
Não é tentando fugir do frio que se chega ao calor mas, sim, buscando o calor.
Como diria um antigo sábio: não se termina o ódio com o ódio.
Estamos chegando no Inverno, e os frios mais intensos ainda virão. E sabe como a natureza sai do Inverno?
Se recolhe, internaliza e mira a Primavera.
Não é falando mal do frio que saímos dele, mas usando seu recolhimento inerente para refletir: o que é o calor?
Se não for assim, viveremos como fugitivos, pois não sabemos aonde queremos chegar.
E a arquitetura com tudo isso?
A maioria dos arquitetos não têm o poder de interferir diretamente no urbano, assim, isso seria culpa de quem? Do estado.
No global é difícil intervirmos, mas os pequenos projetos estão sob nossa alçada. E eles acabam refletindo no urbano.
Nossa diferença pode estar no projeto de um grande edifício, que se integra gentilmente com o meio, ou na proposta de pequenas intervenções paisagísticas, no simples.
Daí se nasce novamente!
Segundo Platão o Belo, o Bom e o Justo formam uma unidade.
A arquitetura é, por essência, a busca da concretização do belo. O arquiteto tem aí o seu papel.
Bom Inverno a todos! Ou, como se deseja em outras tradições:
Feliz Natal!
O LÚDICO
O lúdico tem a capacidade de amenizar a brutalidade cotidiana e remeter os pensamentos a soluções leves e descontaminadas de revanchismos.
TATUGEM URBANA
O grafite bem integrado com o entorno tem a capacidade de trazer o lúdico. É uma “tatuagem na testa” do urbano.
ENTREGA AO URBANO
Normalmente as construções precisam respeitar um afastamento de 3m para a calçada.
Porque não “entregar” esse espaço ao urbano através de jardins ao invés de enclausurá-lo em muros?
Muros deixam a casa mais insegura e criam cidades mais hostis.