Certa vez, um gafanhoto, impressionado com a consciência corporal de uma centopeia perguntou-lhe:
– Nossa, como faz para coordenar todas as cem pernas e não se enrolar enquanto anda?
Então, a centopeia, ao começar a explicar, ao racionalizar o processo, se enrolou com as próprias pernas. A partir desse dia, nunca mais conseguiu andar.
Ela sempre havia andado de forma automática, era da natureza dela.
Nessa semana alguém me perguntou de onde eu tirava inspiração para falar de um assunto novo de arquitetura a cada domingo?
No momento, minhas pernas paralisaram. Por sorte, só tenho duas e consegui destravá-las rapidamente, mas a síndrome da centopeia me pegou em outro lugar: de onde surge inspiração para falar periodicamente sobre assuntos novos? Travei.
Me lembro que nos primeiros projetos da carreira, ficava dias (algumas vezes semanas), esperando a inspiração chegar. Esperava, esperava, esperava… até que o cliente ligava pressionando para ver um primeiro anteprojeto e aí não tinha jeito: sentava na prancheta e começava a desenhar. E aí a inspiração começava a surgir timidamente.
Depois do primeiro anteprojeto desenvolvido, outras ideias ou inspirações de melhoria iam aparecendo.
Com o tempo e com a experiência da realização de mais projetos, a inspiração surgia de forma cada vez mais rápida e fluída, além de mais “inspirada”. Entretanto, ela continuava surgindo apenas quando eu colocava o lápis no papel.
Existe uma boa analogia para entender o princípio da inspiração:
É fato que nesse momento, enquanto você lê esse artigo, existem várias músicas diferentes tocando no ar à sua volta. Mas, se estão no ar, por que não consegue ouvi-las?
Elementar, meu caro leitor: sua cabeça ainda não é um receptor de ondas de rádio.
Assim, se for colocado um aparelho adequado do seu lado, você conseguiria ouvir essas músicas.
Se ligar um rádio e sintonizar na Premium FM (depois cobro o jabá do Grupo Sircom) ouvirá o que toca ali no momento. Se sintonizar em outra emissora, ouvirá sua respectiva música.
Da mesma forma, se pessoas em outras áreas da cidade fizerem o mesmo, receberão as mesmas músicas que estão sendo transmitidas naquele momento.
Mas, se eu ligar uma TV comum, um micro-ondas ou uma torradeira para ouvir a música desejada, nesses casos, é pouco provável que obtenha êxito. Talvez uma TV com Bombril na antena até consiga.
E a inspiração se parece com isso.
As ideias estão por aí, no ar, são diversas e disponíveis para todos.
Para sintonizá-las, entretanto, devem ser cumpridos alguns rituais.
Primeiramente, facilita se nós não formos um micro-ondas ou uma torradeira. Ou seja, há uma vocação específica para sintonizar cada inspiração da natureza: médico, bombeiro, arquiteto…
Entretanto, de nada adianta ser um rádio, se estiver desligado. Nem ser um rádio ligado, mas fora de sintonia.
E a sintonia, para os arquitetos, é estudar, se preparar, ver livros e revistas, conhecer lugares e pessoas, beber de várias fontes. Quanto mais fontes, mais canais conseguiremos sintonizar.
Finalmente, a prática nos permite achar os canais certos para cada situação, de maneira cada vez mais rápida e assertiva. Temos que desenhar, desenhar, desenhar…
A inspiração está aí, disponível para todos, mas para trazê-la ao mundo concreto precisa-se de muito suor.
Por isso existe a máxima: a boa arquitetura é feita de 2% inspiração e 99% transpiração.
Assim é na Arquitetura, assim é na vida!
Opa… aquela conta deu 101%? Bom, isso é um problema para ser resolvido por outro tipo de inspiração: a dos engenheiros.
Musas Inspiradoras
Para os antigos gregos a inspiração das artes e ciências vinha das 9 musas, filhas de Mnemosine (memória) e Zeus. Representavam, assim, a memória das coisas divinas. Suas artes eram: Eloquência, História, Poesia, Música, Tragédia, Comédia, Dança, Astronomia, Cerimonial
Experiência
Aristóteles já dizia que “a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las”. Assim, a excelência só surgiria mediante longa prática.
Repertório
O contato pessoal com outras civilizações, pessoas e construções, ampliam nosso repertório humano e cultural, aguçam a criatividade e nos conecta à inspiração.
Referências
Para redigirmos bons textos é necessário, anteriormente, ter lido muitos textos de qualidade, de variados estilos e autores e treinado a escrita por diversas vezes. Existe uma máxima que diz que “em arquitetura, nada se cria, tudo se copia” e se aprimora. Por isso o estudo extensivo dos estilos arquitetônicos é importante.
Inspire-nos no artigo da próxima semana. Envie sua sugestão para Argus Arquitetura