Críticas imagéticas em “Olhares Marroquinos”

Homens comandam macacos de fralda que fazem suas macaquices. Mais à frente, as cobras sobem com toda pompa no ritmo do som das flautas produzido pelos encantadores de serpentes, e o contador de histórias tem ao seu dispor ouvidos atentos ao seu redor. Já as barracas de comidas estão sempre amontoadas, e “o típico chá verde com menta é maravilhoso”, avalia o fotógrafo Leonardo Bruno, que já experimentou a iguaria durante sua visita à praça Jemaa el-Fna, na cidade de Marraquexe, no Marrocos. Para além da explosão de cores, cheiros e sons nas vielas e no centro urbano que ostenta palácios milenares, jardins e praças, o fotógrafo de 34 anos registrou os habitantes daquele local, para “denunciar” a intimidade de um povo transformada em espetáculo. O resultado da expedição nesse país, localizado no Norte do continente africano, deu origem à exposição – ou provocação –“Olhares Marroquinos”, que será apresentada no próximo domingo, 16, das 17h às 23h, na Casa Mágica (Rua Cesário Alvim, 421, São Bernardo).

Nos trajes, a influência islâmica. De dia, sol muito quente. À noite, o frio. “Às vezes se anda em local semiárido, com um céu muito bonito. O país tem regiões muito desestruturadas, mas sempre tem aquela geometria marroquina com pauzinhos pra lá e pra cá percorrendo qualquer caminho que você vá”, revela o fotógrafo, e mestre em Ecologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também registrou os nativos das cidades de Fez e Chefchaouen e de alguns povoados. “Esse registro fotográfico busca mostrar a relação conflituosa entre o povo marroquino e os ‘turistas fotógrafos’ que, de certa forma, invadem seu território, estetizando sua vida. É óbvio que essa situação desencadeia um processo de extremo incômodo para aqueles que estão sob a mira [constantemente] de uma lente enquanto vivem sua trivialidade do dia a dia”.

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(Mullheres marroquinas na praça Jemaa el-Fna na cidade de Marraquexe. Foto: Leonardo Bruno)

Leonardo conta que, no início do ano, estava morando na Espanha para frequentar um curso de sociologia na Universidade de Salamanca, quando surgiu a oportunidade de conhecer o Marrocos. Após chegar no país, ele percebeu nos olhares daquele povo a insatisfação ao ser fotografado. Daí o nome “Olhares Marroquinos” para a mostra fotográfica, que reúne 13 imagens impressas e 45 em suporte digital (televisão) selecionadas entre as seis mil fotos tiradas no país de 29 de janeiro a 9 de fevereiro deste ano.

“Quando o sujeito viaja, ele quer registrar tudo, por vários motivos. Alguns querem exibir nas redes sociais, outros querem mostrar aos amigos mais íntimos, etc. Os turistas não medem esforços para conseguir a melhor foto e, quando conseguem, não se preocupam se a pessoa fotografada quer ou não ceder sua imagem”, explica Leonardo, acrescentando que seu trabalho não só expõe, mas provoca reflexão sobre o registro fotográfico dessas pessoas sem consentimento.

Guilherme Rezende Landim, curador da exposição, explica que nas imagens de divulgação os rostos dos fotografados foram omitidos [com recurso gráfico] com o objetivo de instigar e provocar as pessoas. “Foi um desafio encontrar uma forma de fazer esse trabalho de modo a propor uma reflexão sobre a questão das identidades dessas pessoas. Há muita vida, ação e reação nesse território de conflitos entre fotógrafo e fotografado”, explica Landim, ressaltando que na exposição o público poderá remover manualmente as tarjas que cobrem os olhos dos personagens das fotos. Não haverá legendas de auxílio. A interpretação? Subjetiva, pois ela reside no campo das emoções, sentimentos e sensações.

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 (Na exposição, o público poderá ter acesso aos olhares dos fotografados. Foto: Leonardo Bruno) 

O conflito do artista durante o registro de outros conflitos

“Não dá pra fazer uma omelete sem quebrar os ovos”. Ainda que a premissa expressa nesse ditado não tenha sido o mote do processo de produção fotográfica, a frase clichê não deixa de dar o tom do trabalho do artista natural de Guiricema (MG) e radicado em Juiz de Fora desde setembro de 2014. “Eu também enfrentei situações de conflito lá. No momento em que eu tirava uma das fotos, dois policiais me abordaram e cobraram explicações sobre minha atitude de fotografar uma mulher”.

“Tenho consciência de que essa exposição é uma autocrítica. Entretanto, percebo, cada vez mais, como o registro de pessoas passou a não ser mais explorado por mim. Foi como um aprendizado; um respeito a esse povo tão desgastado pela busca incessante dos turistas em captar algo peculiar na vida de quem está trabalhando ou, simplesmente, executando uma atividade banal do seu cotidiano”, reconhece o amante das imagens, que embarcou na fotografia por acaso aos 13 anos por influência da mãe. “Ela teve essa ‘sacada’ de me dar uma boa câmera quando eu era bem jovem. Fotografar passou, desde então, a fazer parte do meu cotidiano: uma forma de estar no mundo”.

Encruzilhada musical

“Olhares Marroquinos” ficará em exposição apenas no próximo domingo. Na oportunidade, a ambientação sonora para a reflexão proposta por Leonardo Bruno ficará a cargo do grupo francês Čao Laru. Os seis músicos, do Centre de Formation des Musiciens Intervenants de Rennes, trazem um diálogo entre seis vozes com vários instrumentos de cordas, como violino, cavaquinho, violoncelo, pandeiro, zabumba, saxofone, baixo, acordeon, entre outros.

No repertório estão as influências musicais da Europa e da América do Sul. Nesse sentido, a obra dos artistas configura-se como uma espécie de encruzilhada entre a Macedônia e as cirandas brasileiras.

 

*Outras informações com a organização do evento


Fonte: Colaboração estagiário Bruno Luis Barros




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