O primeiro mês do ano tem sido marcado pela crise no sistema penitenciário brasileiro. Em Manaus, pelo menos 64 presos foram assassinados em três estabelecimentos prisionais da capital amazonense nos primeiros dias de 2017. Em Roraima, cerca de 33 detentos foram assassinados no interior da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, no dia 6 de janeiro.
Pelo menos dois presos morreram e 28 fugiram da Penitenciária Estadual de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, na madrugada desse domingo, 15. No mesmo dia, 26 detentos foram assassinados na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Natal. Os motivos seriam a superlotação dos presídios e a rivalidade entre facções criminosas.
“O que está acontecendo é uma falência do Estado e do sistema prisional. Está comprovado que este modelo está falido e não vai funcionar. Quem está controlando são as facções e o Estado está refém. Tem essa sensação de punir, mas cadê as ações de saúde, educação, assistência social? Não vemos”, ressalta a presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cristina Guerra.
Para ela, o sistema penitenciário brasileiro chegou a essa crise devido ao descaso com a segurança pública. “Omissão absoluta do Estado. Não existe vontade política e intenção para melhorar. Em Minas Gerais, 80% retornam ao sistema penitenciário. Esse sistema que não educa, não dá oportunidade e quase nenhum investimento. A sociedade faz vista grossa e depois dizem que um preso custa R$4 mil ao Estado. Esse dinheiro chega mesmo?”, questiona Cristina.
JUIZ DE FORA
Segundo a presidente, a superlotação em Juiz de Fora teve início na Penitenciária José Edson Cavalieri (PJEC), após a ditadura militar. “Faço parte da comissão desde 2007 e só vi crescer [a superlotação]. O Brasil é o terceiro país que mais prende, porém enquanto os outros permaneceram no mesmo patamar, o Brasil aumentou o número de encarcerados em 70%”, explica.
Cristina relembra que a Secretaria Especial de Direitos Humanos publicou o relatório elaborado pelo Subcomitê das Nações Unidas para Prevenção à Tortura (ONU/SPT) sobre a inspeção feita em presídios de quatro estados brasileiros em outubro de 2015. As conclusões foram enviadas ao governo brasileiro em novembro do ano passado.
No relatório, os peritos alertam sobre a superlotação no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, que, na época da visita internacional, abrigava 1.203 presos, quando a capacidade suportava apenas 450. O documento destaca que a superlotação aumenta o nível de estresse e leva à competição por espaço e recursos limitados.
“O Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora tem capacidade para pouco mais de 300 detentos e atualmente abriga cerca 1.200. Nossa situação é pior que a de Manaus”, compara.
De acordo com a advogada, discutir a situação do sistema penitenciário do município é redundante, já que os problemas são recorrentes e a população tem conhecimento sobre eles. “As condições são subumanas. Além da superlotação, falta material de higiene e tratamento digno. Como vai ressocializar alguém se não tem água, cama e estão dormindo no chão ou em uma privada”, indaga Cristina.
A crise também ataca os agentes penitenciários. “A situação dos agentes é péssima. O Ceresp tem carência destes profissionais para atender 300 presos. Na situação real, com o presídio abrigando cerca de 1.200 homens, a carência é muito maior. Não possuem condições digna de trabalho”, critica a presidente da comissão.
CERESP
Uma funcionária que não quis se identificar informou à equipe do Diário Regional que o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) passa por um momento crítico. Em 2013, foi feito um concurso para agente penitenciário e, devido à demora do tramites, as nomeações dos efetivos estão sendo feitas agora.
“A cada 100 novos agentes, são demitidos 100 contratados que trabalham na unidade há mais de 10 anos. Os novos agentes estão despreparados e não conhecem a realidade de uma prisão”, disse.
A funcionária reafirma que a superlotação causa problemas. “Acontecem confusões por estar cheio e também por conta de brigas de facção”, revela. “Nós, funcionários, estamos apreensivos porque isso pode acontecer aqui. Eles têm acesso a televisão e jornal, eles acompanham tudo o que está acontecendo”, acrescentou.
No Ceresp não falta alimentação e medicamento, mas os alojamentos deixam a desejar. “Cada cela tem de 12 a 15 camas de alvenaria, então era para ter no máximo 15 pessoas, dependendo da cela. A gente tem celas com 30, 60 pessoas. Alguns dividem a cama e o restante dorme no chão”, relata.
Em dias de chuva, as galerias são inundadas e os visitantes não conseguem entrar, disse a funcionária. “O governo tenta mascarar a situação, sabe o que está acontecendo. Não existe infraestrutura para oferecer a ressocialização aos detentos”, comenta.
Procurada pelo Diário Regional, a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) informou que não fornece informações de unidades específicas por questões de segurança. A pasta garantiu que tem enviado alimentação e material de higiene em dia e que todos os detentos dormem em camas ou colchões.