O propósito que guia esta série de artigos pode ser simplificado no interesse de (1) apontar para a existência de um dogma que guia os espaços de produção de conhecimento socialmente sancionados (2) verificar quais são as dinâmicas que impõem veto à hipótese Deus pelo campo acadêmico no contexto do tempo presente.
Quando se indaga sobre o motivo da academia rejeitar a ideia de Deus, diferentes respostas insatisfatórias são anunciadas. Da parte dos que defendem a queda da muralha da separação, alguns atribuem ao próprio plano espiritual (seria uma artimanha do maligno?), outras recorrem a eloquentes esquemas conspiratórios (organizações de cientistas empenhados em deixar a religião fora das universidades). Da parte dos que defendem a manutenção do apartamento, alguns assumem posições simplesmente preconceituosas (a própria ideia de Deus é obscurantismo ou absurdo), outros ignoram (o tema Deus deve permanecer contido na esfera religiosa), e outros ainda recorrem à ideias-força relacionadas ao método (não se pode inferir na pesquisa aquilo que não se pode provar).
Nossa perspectiva é diferente de todas essas. Pois os dois lados do muro de separação, desconsideram aspectos relevantes, tais como: (1) a dinâmica da realidade que envolve ao mesmo tempo atores, instituições e estruturas culturais (2) os enredamentos e agentes que concorrem para eximir o campo (que é presumivelmente crítico por natureza) de realizar uma reflexão sincera acerca dos próprios pressupostos, fazendo “vista grossa” aos seus limites e ignorando a existência de axiomas não devidamente investigados.
É pela senda que realça essas duas condições que a nossa reflexão está enveredando, valendo-se das contribuições de três autores que nos permitem uma jornada concêntrica da superfície em direção ao núcleo do problema: Pierre Bourdieu e sua ideia de campo e habitus, Thomas Kuhn e o seu modelo paradigmático de ciência e Herman Dooyeweerd com sua crítica transcendental associada à ideia de motivos-base religiosos.
Introduzindo o que vamos aprofundar nos próximos artigos basta dizer que a ciência se estrutura no interior de um paradigma, que não é mais do que uma convenção histórica que carrega a pretensão de verdade mas que é, na verdade, necessariamente transitória, ou seja, que em algum momento será superada.
O paradigma estabelece as fronteiras do campo que circunscreve e afeta o acadêmico. Os dois possuem uma relação dialética, ao mesmo tempo em que o investigador estrutura o seu campo de atuação, o campo estrutura o indivíduo determinando seu habitus. O habitus é um conjunto de disposições internalizadas inconscientemente e expressa ideias prévias e comportamentos não refletidos.
No interior do campo, há um jogo a ser jogado, e como todo jogo existem regras que precisam ser respeitadas sob pena de exclusão. O paradigma forma as regras do campo acadêmico e os agentes que pretendem disputar seus troféus e medalhas internalizam tais regras e a reproduzem inconscientemente.
Por fim, no fulcro da questão encontramos a estrutura cultural baseada em axiomas, princípios. No caso do mundo ocidental contemporâneo, duas ideias-chave moldam o modo de pensar da sociedade: natureza e liberdade. Ideias de que a natureza se explica por si mesma e que o ser humano é o centro da reflexão e exerce verdadeira liberdade.
São os axiomas que modulam o modo de pensar de uma sociedade e, consequentemente, modulam o paradigma. Ainda que haja uma relação dialética entre cultura e paradigma, devemos imaginar círculos concêntricos, o círculo cultura circunscreve o círculo paradigma, portanto, segundo está contido no primeiro e não o contrário. Consequentemente, o campo científico modula e é fortemente modulado pela cultura.
A humanidade não se dá conta que as duas ideias natureza e liberdade são mutuamente excludentes, que a natureza limita a liberdade e que, portanto, dependendo do caminho que toma a reflexão, uma afirmação engendra necessariamente uma negação: toda vez que se afirma o império da natureza a liberdade é tolida e vice-versa.
Apesar de todos avanços técnicos relacionados à ciência aplicada, tal dualidade explica a completa incapacidade da nossa sociedade de encontrar o princípio último de tudo o que há.
Estes são os alicerces que explicam com maior profundidade a negação da hipótese Deus, o que buscaremos detalhar nos artigos seguintes.
Continua