Na Bíblia, o coração é frequentemente mencionado como o próprio ser humano (Pv 27: 19).
Ele não é apenas apresentado como o órgão físico responsável pelo sistema circulatório, nem como aquele coração figurativo que expressa sentimentos, mas como o centro, a instância mais completa e definitiva do “eu integral”:
“Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida” (Provérbios 4: 23).
E é a partir dele que procedem as escolhas que afetam todo o ser humano (Lc 6: 45). É o locus das decisões e da vontade, quer dizer que os caminhos adotados ao longo da vida são determinados no coração (Pv 16: 9). O que está no coração se manifesta revelando as disposições mais íntimas que mostram verdadeiramente quem a pessoa é (Lc 6: 45).
A Bíblia ensina que o coração humano é naturalmente inclinado para o pecado e que precisa ser transformado (Ez 36: 26). Isso significa que Deus pode mudar o ser humano purificando o seu coração, e como ele o faz? Veja o verso seguinte de Ezequiel:
“Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis” (Ezequiel 36: 26, 27)
Para compreender o lugar do coração na antropologia cristã, é preciso avançar sobre o tema da obra regeneradora. Já sabemos que a pessoa que aceita Jesus como seu Salvador é justificado e uma vez anulada a pena condenatória, o Espírito Santo entra em ação para transformar o indivíduo. Neste momento, ao se unir ao espírito do sujeito, ele vai transformando-o de dentro para fora. Primeiro convencendo a alma e depois expressando-se no corpo.
Aqui chegamos ao ponto esclarecedor do presente artigo: onde ocorre todo esse processo do Espírito de Deus acoplar-se no individual e proceder com a obra regeneradora integral? Exatamente no coração! O propósito transformador realiza-se alterando todo o indivíduo, e isso ocorre no coração:
“Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um espírito reto” (Salmos 51: 10).
O espírito renovado por Deus, trás como resultado o coração purificado; é neste lugar restaurado onde nasce a adoração a Deus. (Mt 22: 37, 38). A adoração verdadeira que envolve um compromisso total do coração.
Alguns interpretam o coração como mera metáfora para designar a própria alma. Na Bíblia, existem versículos que parecem favorecer essa equivalência, passagens que mostram a conexão entre o coração e a alma (Pv 4: 23). O mesmo se dá quando se quer igualar coração com espírito. Também se encontram passagens que apontam nesta direção (Sl 51: 17).
Na verdade, encontramos o termo coração se modelando ora a alma, ora a espírito porque nele encontramos ambos. Em outras palavras, o coração é justamente o ponto de contato entre espírito, alma e corpo.
A alma, por exemplo, não é a pessoa sem o corpo e sem o espírito, a pessoa é justamente o encontro das três partes constitutivas da unidade. E a conexão integradora ocorre justamente no coração, o ponto nodal do ser humano.
Em outras palavras, o coração é o indivíduo, aquele lugar no ser em que são amarrados corpo, alma e espírito conformando o nosso “eu definitivo”:
“Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim o coração do homem ao homem” (Provérbios 27: 19).
Coração não é uma parte do ser humano, é uma instância, área, campo, setor, domínio, esfera, nível que abriga as disposições ou intenções que determinam a forma como o ser humano integral opera.
É de onde vem a voz da consciência, onde o espírito trava a batalha com as disposições do corpo cujo resultado condiciona a alma e faz a pessoa ser transformada por inteiro.
“E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração de carne” (Ezequiel 36: 26).