A sua relação com a Bíblia deve ser a sua relação com a Bíblia, acima de tudo personalíssima, íntima, estreita e preservada de qualquer contaminação.
A comunhão com Deus não admite atalhos. O relato bíblico deve ser lido sem jamais ser substituído. O intérprete deve buscar sua exatidão, sem recorrer a qualquer fonte sobreposta. O recurso a outros exegetas e comentadores serve tão somente como auxílio e devem ser usados apenas se enredados de precaução. É muito importante ter cuidado com as narrativas de segunda mão que podem deturpar a Palavra adulterando a informação que o Espírito pretende transmitir.
Infelizmente, por descuido, indulgência ou preguiça, alguns irmãos recorrem a outros “meios de consumo” para conhecer os desígnios do Altíssimo. E há abundância de materiais para quem deseja seguir essa trilha, estão aí os filmes, seriados, novelas, livros, … Nada contra, desde que tais jamais ocupem o lugar das Escrituras.
Como exemplo dos riscos podemos analisar a maneira como a cultura pop interpreta a reação de Abraão quando Deus lhe exigiu o sacrifício de Isaque. Tomamos como exemplo o clássico filme homônimo estrelado pelo brilhante ator Richard Harris.
Na encenação, quando Deus pede o holocausto, o ator interpreta um Abraão aflito e desconsolado que se ajoelha questionando a vontade do Altíssimo aos gritos e prantos. Apreendemos um patriarca desesperado que leva os espectadores à comoção.
Será que essa cena corresponde ao que diz o texto bíblico? Leia e interprete por si mesmo:
Gênesis 22: 1. Passados esses acontecimentos, Deus submeteu Abraão a uma prova, convocando-o: “Abraão! Abraão!” Ao que ele redarguiu: “Eis-me aqui, Senhor!” 2. Então Deus lhe ordenou: “Toma Isaque, teu filho, teu único filho, a quem tu muito amas, e vai-te à terra de Moriá. Sacrifica-o ali como holocausto, sobre um dos montes, que Eu te indicarei!” 3. Abraão levantou-se bem cedo, selou seu jumento e tomou consigo dois de seus servos e seu amado filho Isaque. Ele ainda rachou a lenha para o holocausto e se pôs a caminho rumo ao lugar que Deus havia mostrado. – Bíblia KJA
Como se pode constatar, a cena do filme em nada corresponde à descrição bíblica. Aqui não há lágrimas nem qualquer espécie de hesitação. Abraão simplesmente se levanta e faz como Deus lhe ordenou.
Podemos ser complacentes com as intenções do diretor, afinal, o que o grande público incrédulo pensaria se Abraão agisse de maneira tão fria como aparenta no texto bíblico? Podemos perdoar a cena como uma licença poética com o propósito de preservar a imagem do patriarca.
Mas é exatamente por isso que devemos saber de uma vez por todas: nada pode substituir as Escrituras, sob pena da melhor intenção deturpar a mensagem tal como precisa ser transmitida.
De fato não há espaço para nenhum tipo de comoção. Abraão não ficou choroso, nem aflito. Abraão não derramou lágrimas, nem esboçou nenhum questionamento. Isso é central para compreender a mensagem. Pois a reação de Abraão diz precisamente a razão de ser Abraão quem foi: o pai da fé!
O patriarca não amava Isaque? Claro que amava! As próprias Palavras de Deus confirmam esse amor: “Toma Isaque, teu filho, teu único filho, a quem tu muito amas”. O velho hebreu orou por aquele filho durante 100 anos, era seu único herdeiro e a realização do seu mais profundo desejo.
Então porque foi tão impassível? Simples: ele confiava em Deus!
Abraão não tinha a menor dúvida de que Isaque não morreria, afinal, o patriarca havia ouvido Deus dizer que através de Isaque se tornaria pai e a referência de inúmeras nações. E foi exatamente para isso que Deus pediu o sacrifício. Não para tentá-lo menos ainda para testá-lo, mas para que ele se tornasse pai dos que têm fé. Porque é justamente essa mensagem que Abraão passa quando não hesita nem por um segundo em levar seu filho ao sacrifício.
Abraão não entendia o que estava acontecendo, não fazia a mínima ideia do que ocorreria, ele tão somente se apegou à promessa de Deus e seguiu firme. Ele sabia que se o Senhor disse que Isaque seria seu herdeiro, não faria a menor diferença estocar uma faca no moço algo milagroso haveria de ocorrer para preservar a vida do “herdeiro por promessa”: a lâmina quebraria, o corte seria selado, o rapaz ressuscitaria,…
Hebreus 11: 17. Pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. 18. Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar; – Bíblia NVI
Ainda que a mente humana pensasse absurdos, Abraão anulou suas expectativas racionais e simplesmente se apegou à promessa. Isso completa a jornada do herói da fé, porque ele mostra para todos nós como devemos agir:
2 Coríntios 5: 7. (Porque andamos por fé, e não por vista). – Bíblia ACF
Negar a fé de Abraão significa neutralizar seu vulto histórico, esvaziá-lo de sentido, aplacar seu exemplo e eliminar seu significado para todos nós que o consideramos também pai, o pai da fé:
Romanos 4: 11. E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que creem, estando eles também na incircuncisão; a fim de que também a justiça lhes seja imputada; – Bíblia NVI