Ao longo de sua obra, Platão fez afirmações enigmáticas. Talvez a principal diga respeito à existência das duas dimensões da realidade:
o mundo das ideias e o mundo sensível.
Segundo ele, esta realidade a qual nós todos pertencemos é composta por formas imperfeitas materializadas como cópia de formas perfeitas que possuem existência concreta, porém, não aqui, mas no plano das ideias, que é um mundo real de existência tática, todavia, transcendente ao nosso e inacessível aos seres materiais.
Na verdade, com esse pensamento, Platão estava respondendo à mais contundente polêmica da aurora da filosofia, protagonizada por Parmênides e Heráclito: o problema do ser. Como conceber que algo “é”, se no mundo tudo muda? Ora, eu sou adulto? Não! Pois, ontem eu fui criança e amanhã serei idoso. Sendo assim, eu não “sou”, eu simplesmente “estou”. Tal como ocorre conosco, ocorre com absolutamente tudo no mundo. Tudo está mudando, logo, nada é, conclui Parmênides.
Platão respondia ao problema dizendo que existe o ser de cada coisa, porém ele não está aqui na Terra, ele habita o mundo das ideias.
Foi a partir daí que veio uma série de afirmações que ecoam através dos tempos, por meio da filosofia mais influente do mundo ocidental: a filosofia platônica.
Quem nunca ouviu falar da “alegoria da caverna”? Porém, quem frequenta as obras mais conhecidas de Platão, como A República, Apologia de Sócrates ou O Banquete, fica com uma dúvida não respondida por nenhuma dessas obras: porque as coisas se tornaram assim? Por que existem dois mundos? Como se dá a conexão entre forma perfeita e cópias imperfeitas? Quem foi o responsável por isso tudo?
E a resposta vem em uma obra menos “frequentada” atualmente, escrita já na velhice do filósofo. Parece até que com a intenção de dizer coisas que ele queria falar mas não encontrara a oportunidade adequada. Uma obra que acaba amarrando todas as pontas soltas. Que obra é essa? O Timeu.
Nesta obscurecida obra da maturidade, Platão explica a origem de tudo e a razão das coisas serem como são. E, para tanto, na contramão do politeísmo, da religião olímpica grega, ele nos apresenta “o supremo” denominado Demiurgo.
Segundo Platão, antes dos tempos, haviam quatro coisas: o arquétipo, a matemática, a massa caótica e o Demiurgo. Dentre elas, apenas o último constitui um ente ativo, portador de capacidade criativa. Por sua decisão, tomou a massa deformada e, observando o arquétipo, uma espécie de modelo, produziu cada coisa existente dando forma ao cosmos.
A proposta de Platão é muito parecida com a concepção monoteísta semita que certamente ele não teve nenhum contato relevante. É verdade que o Demiurgo não cria, mas organiza o caos, porém é ele que confere essência e conecta o mundo das ideias ao mundo sensível dando alma e significado a todos os seres.
Também é fato que sua perspectiva é henoteísta pois busca conciliar o politeísmo grego com uma inovadora concepção monoteísta, mas como poderia exigir dele um compromisso com um Deus único em uma sociedade tão radicalmente religiosa? Lembremos que antes dele, Anaxágoras foi exilado e Sócrates sentenciado à morte, ambos condenados por afrontar filosoficamente a religião da cidade. A coexistência talvez (isso é uma hipótese) não seja uma derivação lógica de suas preocupações, mas uma concessão aos poderes religiosos que dominavam a sociedade em que vivia.
O que leva Platão a conceber a figura de um Deus superior aos outros era uma necessidade de conciliar as grandes inquietações de seu tempo: ser / não ser, forma / matéria e ainda solucionar um problema para seu próprio modelo de realidade repartida entre mundo das ideias e mundo sensível.
O que concluímos? No alvorecer da razão, nos tempos áureos da filosofia grega, através da pena de Platão, o mais influente intelectual do Ocidente, Deus era contemplado através da reflexão lógica, demonstrando um fato: para que o mundo faça sentido, Deus é uma variável não apenas importante, mas necessária.