Lições de humanidade de Agostinho – parte 1

Agostinho é sem nenhuma dúvida um dos filósofos mais influentes da história do Ocidente . Ele realizou um feito extraordinário ao unir a filosofia herdada do mundo antigo (especialmente o neoplatonismo) com o pensamento Cristão ascendente em sua época (séculos IV/V).

O pensador nos ensina que no mundo existem três tipos de seres: os que existem: ex. pedra. Os que existem e vivem: ex. árvore e pássaro. O que existe, vive e sabe:  apenas o ser humano.

Há uma hierarquia dos seres: o homem está no cume porque ele sabe que existe, sabe que vive e sabe que sabe. A pedra não sabe que existe e o cachorro não sabe que está vivo, apenas o ser humano sabe.

Considerando os níveis de complexidade, o que nos faz melhores na hierarquia dos seres? A Razão!

Mas, não apenas a capacidade racional nos faz mais perfeitos em relação a todos os outros seres. Continuemos o raciocínio de Agostinho:

O eu, o ego, o self são designações que equivalem ao que o filósofo denomina “alma”. A alma humana internaliza a hierarquia dos seres que conformam a realidade enredando-a.

Na primeira camada, a alma interage com o mundo percebendo-o como um todo misturado, sem distinções ou classificações. Da mesma forma como a pedra relaciona-se com o mundo, ela simplesmente se conecta sem quaisquer sensações. Na segunda camada, a alma separa e classifica binariamente as substâncias com as quais interage, sente o ambiente e forma preferências. Então, acomoda cada coisa que conhece em duas listas: desejáveis ou não desejáveis. Partindo dessa classificação básica, o ser humano como qualquer outro animal é governado pelo impulso de escolher o desejável e de rejeitar o indesejável sem refletir sobre consequências.

Na terceira camada, a alma reinterpreta o mundo segundo critérios de conveniência. Aqui, é que o ser humano passa a refletir sobre as repercussões de cada decisão, raciocina sobre as consequências de seus atos. Esse critério reclassifica as coisas do mundo embaralhando os desejáveis e indesejáveis e, separando novamente cada situação, o ser humano substitui as colunas do desejo por duas novas: “Eu devo” ou “Eu não devo” querer/fazer/pensar/almejar…

Os animais param na segunda camada. Sua ação resulta do desejo somado à condições de obter o que deseja. Funciona mais ou menos assim: (1) o carnívoro deseja devorar a presa; (2) o predador menor não devora o predador maior porque não consegue; (3) o cachorro quer subir na mesa e comer os alimentos dispostos ali, só não o faz por medo da repreensão, pois tal é mais indesejável do que o desejo de “roubar” comida da mesa.

Mas, existe uma apreciação que é ainda mais profunda: o leão não faz julgamento de conveniência quando decide tirar a vida de um bisão para saciar sua fome. Por exemplo, ele não se importa que o outro animal vai deixar uma cria, importa tão somente, sempre que puder, fazer o que quer. Já o homem não. Ele tem a capacidade de julgar seus atos por um critério que transcende a sua vontade imediata (desejo).

O ser humano pode determinar repercussões e refrear seus impulsos. A pessoa deseja comer hambúrguer e não deseja ficar sedento; deseja dormir até mais tarde e não deseja se esforçar. Porém, diferentemente de qualquer outro animal, o ser humano pode decidir para além de seus impulsos imediatos. Ele é capaz de calcular os resultados de suas ações em curto, médio e longo prazos. Sendo assim, ele pode decidir fazer o que não deseja e não fazer o que deseja. Mesmo tendo condições de seguir seus instintos, faz escolhas contraditórias ao que quer.

Percebendo que, no plano da alma, os seres humanos são governados por critérios de conveniência, pergunta-se: o que nos faz melhores na hierarquia dos seres? A moral!

A superioridade humana não se restringe apenas a um atributo que o diferencia de todos os outros seres, mas dois. A realização do ser humano como espécie envolve igualmente razão e moral, um binômio indissociável um do outro.




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