Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva (IE) traçou quatro cenários e compilou orientações para uma retomada planejada e gradual das atividades esportivas no Brasil diante dos efeitos da pandemia do novo coronavírus.
A pesquisa levou em consideração documentos oficiais da Comissão de Acompanhamento e Controle de Propagação do Coronavírus da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Comitê Olímpico dos Estados Unidos e do Instituto Australiano de Esporte, entre outros. A ideia é que, partindo de um primeiro cenário de isolamento social, as competições sejam retomadas inicialmente por modalidades que não impliquem contato físico, e seguindo as recomendações dos órgãos de saúde.
“O primeiro cenário é o atual, do isolamento social. Esse cenário permite a prática de algumas atividades esportivas e físicas, como a corrida, a caminhada, o caiaque, a corrida de montanha, práticas que não tenham aglomerações, respeitando a distância entre as pessoas e as indicações dos profissionais de saúde”, explica Fernando Mezzadri, professor titular da UFPR e coordenador do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva, que assina o estudo ao lado do advogado Paulo Schmitt, assessor jurídico e consultor de confederações brasileiras, além de procurador-geral da Justiça Desportiva Antidopagem.
Segundo a pesquisa, só seria possível o avanço para o segundo estágio no Brasil quando a pandemia iniciar a fase de descida da curva. Nesse momento, o estudo aponta que seria possível a retomada de treinos e competições de modalidades que não tenham contato físico – como tênis, tênis de mesa, remo e canoagem –, e sem aglomerações. “Estamos seguindo determinadas teorias do esporte para que a gente consiga compreender que as modalidades esportivas têm as suas diversas características, para fazer essa separação”, comenta Mezzadri.
O retorno das modalidades coletivas e de esportes de maior contato, como judô ou boxe, seriam em um terceiro momento – mesmo assim ainda sem a presença de público. Para o pesquisador, só é possível permitir a aglomeração de pessoas no estágio final. “O quarto cenário é quando tivermos total segurança, é o retorno à normalidade. Os cientistas indicam que isso só será possível após uma vacina”, afirma o pesquisador. “Imagine um torneio de futebol com 10, 20, 30, 40 mil pessoas em um estádio. Se houver ali qualquer pessoa que tenha contraído o vírus, você tem uma facilidade de propagação muito grande”, justifica.
Em todas as etapas do processo, a pesquisa defende a adoção de medidas de proteção da saúde, como o uso de máscaras (exceto pelos competidores durante as disputas), uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) para organizadores, equipes de apoio e colaboradores, uma infraestrutura que permita o distanciamento em espaços de no mínimo 1m, além da higienização e desinfecção de locais, objetos e equipamentos. Em competições e treinamentos de atletas profissionais, o estudo sugere ainda acrescentar o diagnóstico de todos os envolvidos, medição de temperatura e realização de testes nos centros de treinamento e a escolha de locais menos afetados pela doença para sediar eventos, entre outras medidas.
O projeto IE é uma ação conjunta entre o Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento (SNEAR) da Secretaria Especial do Esporte, do Ministério da Cidadania. Criado em 2013, tem o objetivo de produzir, aglutinar, sistematizar, analisar e difundir informações sobre o esporte de alto rendimento no Brasil e analisar as políticas públicas para o esporte de alto rendimento.
Jogos Olímpicos
Nessa perspectiva, os Jogos Olímpicos de Tóquio também só seriam possíveis no quarto cenário do enfrentamento à pandemia, após a aprovação e aplicação em massa de uma vacina contra o novo coronavírus. Fernando Mezzadri afirma ter confiança de que isso será possível para a realização do megaevento no ano que vem, no Japão. “Estou muito otimista de que tenhamos os Jogos Olímpicos no ano que vem, não tenho dúvida disso”, diz.
Prever quando o país entraria em cada um desses estágios de retomada gradual do esporte, no entanto, é tarefa que leva em conta uma série de variáveis. “Vai depender muito do avanço aqui no Brasil. Ainda está cedo para falar. Ainda estamos em um momento de construir hospitais de campanha, enquanto na Europa já estão fechando”, compara Mezzadri.
“Quando chegarmos ao pico da pandemia, que os estudos epidemiológicos apontam que ocorra daqui a duas ou três semanas, a partir desse momento a gente vai verificar o início da descida, e aí sim começar a pensar nesse segundo prazo, para daqui a um mês, um mês e pouco. É a nossa expectativa pelos estudos epidemiológicos feitos. Isso pode aumentar ou atrasar essa expectativa pelo próprio desenvolvimento da pandemia no Brasil”, esclarece.
Mais do que decidir pela retomada ou não do calendário esportivo, o pesquisador defende que o crucial é o planejamento efetivo de como será esse retorno. “Alternativas têm que ser criadas. Antes de falar o ‘sim’ ou ‘não’, a gente tem que planejar alternativas, construir outros cenários, outras possibilidades para que as competições ocorram. Todos nós queremos que volte o mais rápido possível, mas isso tem que ser com segurança, escutando o que os profissionais da saúde estão falando”, pondera.
Parte da sociedade
O retorno responsável das atividades esportivas não leva em conta apenas a saúde dos atletas e do público, mas de todos os colaboradores envolvidos nos clubes ou nos torneios. “O esporte é feito principalmente pelos atletas, mas não só. Você tem comissão técnica, preparador físico, fisiologista, técnico, massagista, nutricionista, psicólogo, jornalistas, colaboradores que auxiliam. Imagine o CT de um time de futebol: quantas pessoas da limpeza, da manutenção, que circulam pelo mesmo ambiente e que vão de transporte público para os seus respectivos trabalhos. O esporte não é descolado da sociedade”, alerta o professor.
Levando isso em consideração, a pesquisa defende ainda que seja realizada uma campanha educacional nos locais de prática, treinos ou de competição sobre a prevenção e o tratamento da doença. “Esse processo educacional, demonstrando o momento que estamos vivendo e a necessidade de mantermos as condições de higiene para manter a saúde, acho que é fundamental neste momento”, acredita Mezzadri.
Protocolos para o futebol
Outra recomendação é a de elaborar estratégias que evitem o grande deslocamento de atletas e comissões entre as cidades. “O Brasil é um país continental. Imagine um campeonato brasileiro de futebol, com jogadores se deslocando de um lado para o outro, circulando com frequência dentro de aeroportos. Isso é um complicador. Quanto mais, neste momento, tivermos essa preocupação atual de isolamento, mais rápido sairemos dessa pandemia”.
Os cuidados com o retorno aos gramados também têm sido uma preocupação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que formou um comitê de médicos para elaborar um guia com sugestões de cuidados e saúde para os clubes. “Não temos poder regulatório, não podemos obrigar que os clubes sigam, mas tem sido criado um estudo bem consistente, com medidas práticas para o retorno”, explica o doutor Márcio Tannure, que integra esse grupo na CBF e na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ).
“O mais importante é a testagem da nossa população, ou seja, jogadores, comissão técnica, profissionais envolvidos nesse retorno, para que a gente tenha segurança ali”, explica. Segundo ele, há ainda uma série de medidas preventivas que deverão ser adotadas. “Com certeza todos vão ser testados, não só por exames laboratoriais. No Flamengo todos já foram testados, atletas, funcionários, familiares, e estão testando de novo nesta semana”, conta Tannure, que faz parte da equipe médica do time carioca há mais de 15 anos, e é médico oficial do UFC desde 2011. De acordo com o especialista, todos os dias os atletas e profissionais serão avaliados clinicamente, por temperatura e saturação de oxigênio.
“Vamos treinar em grupos menores. A gente elaborou todo um procedimento para que se evite o contato. Em clubes que não têm opção de hotelaria nos centros de treinamento, o jogador já vai trocado com a própria roupa de casa, passa direto para o campo, onde não tem contato com ninguém da comissão, treina em grupos menores, mantendo distância de 1,5m ou 2m no mínimo entre eles, sempre com uso de máscara e higienização”, detalha. “Não vai ter treino indoor, não vamos juntar o grupo todo, não vão ser usadas instalações de banheiros e vestiários. Não vamos ter neste momento refeições nos centros de treinamento. A orientação é que a gente leve a suplementação individualizada para ter o mínimo de pessoas e de contato, para que possamos dar esse primeiro passo”, continua.
Para Tannure, a volta aos treinamentos é uma primeira atitude em direção à retomada dos torneios. “A gente sabe que é um passo inicial e, a partir daí, ter o retorno aos jogos, que é uma outra etapa, mas a gente acredita que o primeiro passo tem que ser dado”, defende. “Óbvio que não tem nenhuma medida estratégica que consiga zerar os possíveis riscos. São todas medidas para que a gente consiga minimizar riscos, e nós nos sentimos bem seguros nesse sentido, com um protocolo robusto”, defende, acreditando que as estratégias podem servir até como exemplo para outros setores da sociedade.
“Sabemos que é uma situação atípica, onde a gente tem uma população menor e consegue controlar os riscos, com variáveis constantes. É mais fácil para a gente do que em uma grande população. Acho que pode ser uma grande contribuição para que a gente use isso de modelo para outros esportes e segmentos”, aponta. “A gente quer voltar o quanto antes. Hoje nos sentimos seguros e prontos para implementar essas medidas, para que a gente consiga treinar. Esperamos a autorização das entidades competentes para voltar”, acrescenta.
Controle de dopagem
Outro protocolo deverá ser seguido pela CBF no controle do doping. “Depois que o futebol estiver autorizado a voltar pelos órgãos competentes, nós teremos um protocolo de aconselhamento de como é melhor voltar para evitar contaminação maior”, explica Fernando Solera, médico e coordenador da Comissão de Controle de Dopagem da CBF.
“Medir a temperatura, testar todo mundo, manter o distanciamento, treinar de máscara, levar a roupa para lavar em casa”, enumera. “Na área de controle de dopagem, ele vai receber um saco plástico higienizado, lacrado. Ele vai pegar tudo que produzir de lixo na sala do controle de dopagem e ele mesmo vai descartar. Ele vai chegar na sala antidopagem e vai receber máscara e luvas. Não vai haver aglomeração. O sorteio, que hoje é dentro da sala antidoping, será feito fora, em local aberto, no campo. Há uma série de ajustes momentâneos, sem, no entanto, desrespeitar o protocolo internacional de boas práticas para coleta”, completa Solera.
Fonte: Assessoria