A Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou que os dados registrados e divulgados sobre os casos de coronavírus no país incluam, obrigatoriamente, informações sobre a etnorraça dos infectados. A decisão, liminar, atendeu a um pedido da Defensoria Pública da União e do Instituto Luiz Gama (ONG que luta contra o preconceito) e reconheceu a necessidade de identificar grupos mais vulneráveis à pandemia.
“A urgência da medida reside na própria pandemia e na necessidade premente de que os gestores adotem medidas realmente condizentes com as necessidades da população, especialmente a que se encontra em situação de maior vulnerabilidade”, escreveu o juiz federal Dimitri Vasconcelos Wanderley.
Segundo a decisão, a União deve expedir diretrizes para as secretarias de Saúde para o preenchimento obrigatório dos marcadores etnorraciais, conforme as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera negra toda a população que se autodeclara preta ou parda. Também devem ser registrados e divulgados dados de localização e de gênero.
A exigência se aplica tanto a dados de contaminação quanto de mortalidade e inclui ainda que as informações passem a fazer parte da apresentação pública dos dados de infecção e mortalidade, “a fim de melhor direcionar as políticas públicas de proteção à saúde da população mais vulnerável”.
Dados relevantes
O defensor regional de Direitos Humanos da DPU-RJ, Thales Arcoverde, argumenta que os dados são relevantes não apenas para demonstrar uma influência da desigualdade racial e do racismo no contexto da pandemia, mas também para que políticas públicas combatam essa disparidade.
“O que moveu a gente é um receio de que o racismo estrutural se apresente dessa forma. Negros têm menos acesso à saúde do que brancos”, disse o defensor.
No pedido, a defensoria descreve que 67% da população negra depende do Sistema Único da Saúde (SUS). A DPU também argumenta que essa população tem maior dificuldade de fazer o isolamento social, já que a informalidade é de 47,3% entre os trabalhadores negros, enquanto a mesma taxa é de 34,6% entre os brancos.
A DPU cita dados de 11 a 20 de março, período em que o percentual de negros entre os mortos por covid-19 aumentou de 34,3% para 40,3%, em um cenário em que quase um terço dos casos não tinham identificação de raça ou cor.
O cruzamento desses dados com dados de localização e gênero pode apontar outras vulnerabilidades, segundo a DPU. “O recorte de localização, com a incorporação de dados como cidade e bairro das pessoas infectadas, uma vez diante do histórico de formação das favelas, permite uma identificação pontual de quem tem sido afetado e a relação disso com a insuficiência do serviço de saúde”.
A defensoria também considera importante relacionar gênero e raça e cita que mulheres negras chefiam famílias com mais frequência que as brancas e também estão mais frequentemente em domicílios com mais de três moradores utilizando um mesmo cômodo como dormitório.
A DPU também argumenta que a inclusão das informações atende a recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pede especial atenção a “mulheres, povos indígenas, pessoas afrodescendentes, trabalhadores e pessoas que vivem em pobreza ou extrema pobreza, especialmente trabalhadores informais e pessoas em situação de rua”.
Fonte: Agência Brasil