O Brasil é o país com a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Juiz de Fora, foram registrados 2,4 mil casos de violência doméstica no ano passado. Diante dessa realidade, o Plenário da Câmara Municipal recebeu nesta terça-feira, 18, audiência pública para discutir a violência doméstica e a aplicabilidade da Lei do Feminicídio no município.
A discussão, proposta pelo vereador Nilton Militão (PTC), contou com a presença de representantes da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, dos Conselhos Tutelares dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Casa da Mulher, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Deputado Federal Júlio Delgado.
O proponente da audiência, Nilton Militão, destacou a importância de promover o debate sobre a questão. “Cada vez que levantamos um debate desses, eu tenho certeza que o agressor recua, porque ele vê que estamos trabalhando por essa causa”, afirmou. Militão também pontuou que, após propor a audiência, foi procurado por mulheres que desejavam denunciar agressores e ainda tinham dúvidas de como fazer a denúncia. “Nosso gabinete recebeu a ligação de cinco mulheres procurando informações sobre o que poderia ser feito após a agressão. Isso mostra que precisamos falar mais sobre isso, divulgar essas informações e dar respaldo para essas mulheres”, ressaltou.
A Lei do Feminicídio foi sancionada em março de 2015, qualificando o assassinato que acontece por questões de gênero e aumentando a pena para estes casos. “Nem todos os homicídios cometidos contra mulheres são considerados feminicídios. São casos que envolvem situações de violência doméstica ou de humilhação da mulher”, esclarece a delegada Carolina Magalhães, que atua na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher em Juiz de Fora. De acordo com ela é considerado feminicídio os casos de assassinatos motivados pela condição de gênero – como, por exemplo, ao ser morta por um ex-companheiro que não aceita o fim do relacionamento. “Na maioria dos casos os assassinos são companheiros, ex-companheiros, namorados ou pais com filhas”, afirma Carolina.
A delegada Ângela Fellet, que também atua na Delegacia da Mulher, enfatizou que é preciso estar atento aos primeiros sinais de um possível relacionamento abusivo. “O feminicídio é a ponta do iceberg. Dentro de um relacionamento, o primeiro passo não é o feminicídio. Normalmente, primeiro, começam as agressões psicológicas com o ciúme e o controle excessivo, por exemplo”, afirmou. Há, ainda, as agressões verbais com críticas à mulher e a tortura psicológica que acompanha as ameaças. “As denúncias de ameaças são as que nós mais recebemos e, sempre, de mulheres que já estão com muito medo”, apontou. Ângela ressaltou, ainda, que a tendência é que as lesões corporais piorem cada vez mais. “Essas agressões vão sendo toleradas por diversos fatores, como dependência financeira e psicológica, então é importante verificar os sinais de violência no começo do relacionamento”, disse.
Durante a audiência, também foi apontada a necessidade de ampliar o horário de funcionamento da Casa da Mulher e da Delegacia da Mulher. A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Camila Machado, ressalta a importância de oferecer esses serviços durante as 24 horas do dia. “A violência não tem hora, então ter a Delegacia da Mulher e a Casa da Mulher funcionando 24 horas por dia é uma demanda muito antiga que temos, e nós vamos continuar lutando para receber os recursos para isso”, pontuou.
O trabalho da Casa da Mulher é realizado em Juiz de Fora desde 2013, acolhendo mulheres vítimas de violência doméstica. De acordo com os dados apresentados pela coordenadora da Casa da Mulher, Maria Luiza Moraes, 63% das mulheres que apresentam queixam possuem entre 18 e 40 anos.
Maria Luiza revela, ainda, que nos seis anos de trabalho, a Casa da Mulher já realizou 14.868 atendimentos. “Este não é o número de vítimas atendidas porque muitas vítimas retornam e são atendidas novamente. Desses atendimento, o maior número de queixas é de violência psicológica”, afirma Maria Luiza. Foram registrados, desde 2013, 6.008 queixas de violência física e 12.967 de violência psicológica. “Quando a mulher chega violentada fisicamente ela já sofreu dezenas de outras violências. A Casa da Mulher tem a função de fazer com que a mulher junto seus pedaços e se faça novamente inteira”, conta a coordenadora.
As mulheres atendidas na Casa da Mulher são encaminhadas para a Delegacia, onde podem solicitar uma medida protetiva contra o agressor. As medidas protetivas podem determinar que o agressor não pratique determinadas condutas, como se aproximar da vítima. É possível, ainda, solicitar medidas de amparo que garantem apoio e proteção à vítima. A promotora de justiça, Nicole Frossard, explica o caminho percorrido após o pedido de medida protetiva. “Depois que as medidas protetivas são solicitadas na vara da mulher, o pedido é encaminhado para a segunda vara criminal do Fórum. Lá, é designado uma audiência que pode ser marcada para acontecer em até um mês. Alguns casos são encaminhados para gente com urgência e, nestas situações, o juiz concede independente da audiência e rapidamente é dada essa proteção”, esclarece a promotora.
A delegada Ione Barbosa reforçou a importância de discutir a violência contra a mulher em Juiz de Fora. “Precisamos entender que a violência doméstica é um problema público e que precisa ser debatido pela sociedade para tentarmos reverter essa realidade. Já tivemos muitos resultados com as lutas feministas, com a Lei Maria da Penha que foi um divisor de águas, e com a Lei do Feminicídio, mas ainda temos muito para avançar”, concluiu.
Fonte: CMJF