Especialistas comentam sobre decreto que facilita a posse de armas de fogo

Nessa terça-feira, 15, o presidente da república Jair Bolsonaro assinou um decreto, que já entrou em vigor, que flexibiliza as regras para manter a posse de armas de fogo no Brasil. Com a mudança de algumas regras, como o prazo de renovação que passou de cinco para dez anos, o direto à posse autoriza manter uma arma de fogo em casa (zona rural ou urbana) ou no local de trabalho (o dono da arma deve ser o responsável legal pelo estabelecimento), desde que sejam cumpridos os requisitos dos incisos I a VII do caput do Artigo 12 do Decreto nº. 5.123, de 2004:

I – declarar efetiva necessidade;

II – ter, no mínimo, vinte e cinco anos;

III – apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal;

IV – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;

V – apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

VI – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo;

VII – comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por estar credenciado.

No decreto também é considerado morar em cidade ou estado onde a taxa de homicídios seja superior a 10 para cada 100 mil habitantes.A Polícia Federal decidirá se autoriza ou não a concessão da posse de arma. Não terá direito à posse:

– quem tiver vínculo comprovado com organizações criminosas;

– mentir na declaração de efetiva necessidade;

– agir como ‘pessoa interposta’ de alguém que não preenche os requisitos para ter posse.

Para andar com a arma na rua é preciso ter direito ao porte, cujas regras não foram tratadas no decreto. Além disso, o decreto mantém a proibição de posse de armas de uso exclusivo das Forças Armadas e instituições de segurança pública.Quanto ao registro, não existe limite legal de quantidade de armas que podem ser registradas por cada pessoa. Em algumas situações, o decreto limita a aquisição de até quatro armas. Caso a pessoa tenha interesse em adquirir mais de uma arma, deve-se comprovar a efetiva necessidade. Se o indivíduo tiver mais de quatro armas registradas e comprovar a necessidade de mais, poderá conseguir autorização para compra das demais.Além disso, o decreto somente facilita a posse de armas de uso permitido e não inclui armas de uso restrito, como armas automáticas ou fuzis e metralhadoras.

Desde que a decisão foi divulgada, o assunto virou pauta entre as conversas. Com argumentos prós e contras, especialistas emitiram sua opinião sobre a decisão do presidente.

POSIÇÃO A FAVOR

O delegado regional da Polícia Civil de Juiz de Fora, Armando Avolio, acredita, com base em casos parecidos de outros países, que a decisão de Jair Bolsonaro vai colaborar nadiminuição dos crimes no Brasil. “Temos exemplos de outros países, como Uruguai e Paraguai, que têm o maior número de posse de armas e menor índice de homicídio, por exemplo”, disse. Ele ressalta que ainda é cedo para dar uma opinião sobre essa questão no país, uma vez que a decisão ainda é recente e é preciso de mais tempo para fazer uma análise mais concreta. “Houve uma flexibilização bem leve, não é algo que podemos considerar que todos vão ter uma arma a partir de agora. Temos que analisar, através de uma estatística da Polícia Federal, se houve um aumento considerável nos registros de armas de fogo para a posse ou não. E só depois podemos fazer uma análise mais a fundo”, explica.

Delegado Regional da Polícia Civil de Juiz de Fora, Armando Avolio. Foto: Arquivo/Rafaela Frutuoso

Um dos pontos comentados por especialistas é alegando que o sistema de controle de armas no país é frágil e a decisão é prejudicial para a Segurança Pública. Para o delegado, “a flexibilização tem a intenção de controlar a posse de arma. As pessoas terem uma arma registrada em seu nome e única e exclusivamente para defesa.Existem diversos obstáculos como o custo de uma arma e preencher todos os requisitos, às vezes as pessoas pensam que da noite para o dia todo mundo vai comprar arma e não é bem assim. Por isso temos que esperar para saber como esse decreto vai atingir a sociedade, qual vai ser o número do aumento da aquisição dessas armas, dos registros de posse, para depois termos uma base para discutir o efeito desse decreto no Brasil. O que temos são os exemplos de fora”, conclui.

 POSIÇÃO CONTRA

Um dos pontos levantados por especialistas e militantes acerca do decreto é segurança da mulher. Muitos temem que a facilitação da posse de arma de fogo aumente o número de feminicídio. De acordo com dados do último Atlas da Violência, em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Em dez anos, observa-se um aumento de 6,4%. De 2006 até 2016, Minas Gerais registrou 4.520 mortes de mulheres.

“O fato de uma pessoa ter arma de fogo dentro de casa, principalmente se tiver qualquer tipo de demonstração, mesmo que sutil, de agressividade certamente vai impactar na mulher. Primeiro que arma de fogo é muito mais letal que a arma branca. Se fizermos um estudo sobre homicídios, a gente percebe que as tentativas de homicídios praticados com arma de fogo tendem muito mais a levar ao homicídio consumado do que quando praticado com arma branca.

Além disso, pode inibir a mulher de denunciar. Obviamente que a mulher pode ter vontade de denunciar, mas não sabe com qual agilidade as instituições vão responder a ela”, disse Letícia Paiva Delgado, pesquisadora do Núcleo de Estudo de Violência e Direitos Humanos do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais da UFJF. “Com a arma de fogo disponível, o homem tendo a arma de fogo dentro de casa, a possibilidade de o homicídio vir a ser consumado é ainda maior. Além disso, com certeza vai fazer com que a mulher tenha muito mais medo, seja muito mais coagida a não denunciar”, disse.

Para a pesquisadora, o decreto vai na contramão de uma construção de política de segurança que inverta os índices de criminalidade. “Nos gera uma certa estranheza porque foi editada em 2018 a Lei do Sistema Único de Segurança Pública, inclusive também o Plano Federal de Segurança Pública. Nesse plano fala de uma forma muito clara de uma necessidade de ter mais controle sobre as armas, no sentimento de que há uma relação muito clara entre violência e disponibilidade de arma de fogo no mercado”, disse. Letícia ainda comenta que é possível perceber que é uma política de segurança pública feita de forma muito rápida, não pensando em quais são os efeitos de trazer à sociedade uma maior disponibilidade de arma de fogo. “Vamos fazer com que mais cidadãos tenham arma de fogo e o controle em relação a isso tende a diminuir”, disse.

Outro ponto discutido é referente ao sistema de controle de armas no Brasil, que muitos especialistas consideram como frágil, sendo assim, um decreto que flexibilize a posse de armas surge como um grande problema para a segurança pública do país. “Indubitavelmente. Temos várias pesquisas, inclusive feitas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública fazendo uma relação muito clara entre disponibilidade de arma de fogo e homicídio. Isso quer dizer que quanto mais arma de fogo eu tenho no mercado mais homicídios eu tenho”, comenta Letícia.

Ela ainda diz que qualquer política de segurança pública preventiva, que queira diminuir as taxas de homicídios, precisa de ter um maior rigor com o controle das armas de fogo. “Não só fechando as fronteiras, mas impedindo, por exemplo, que aquele cidadão que tenha arma de fogo perca essa arma, venda essa arma ou até eventualmente seja vítima de um roubo em sua casa onde levam a arma dele. O que acontece com essas armas de fogo é que elas transitam entre o mercado legal e ilegal, justamente porque tem um controle que ainda não é o mais eficaz. O próprio Plano Nacional de Segurança Pública traz a importância de maior controle das armas de fogo, justamente reconhecendo que existe uma fragilidade nesse ponto. A partir do momento que temos mais armas de fogo no mercado esse controle vai ficando cada vez mais difícil, mais escasso e cada vez mais aumentando a violência”, conclui.




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