A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou neste mês a transexualidade da lista de transtornos mentais. A alteração foi confirmada no dia 18 de junho, com a publicação da 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças (CID), um sistema criado para relacionar, sob um mesmo padrão, as principais enfermidades, problemas de saúde pública e transtornos que causam morte ou incapacitação de pessoas. A transexualidade é a condição do indivíduo cuja identidade de gênero difere daquela designada ao nascimento.
“A transexualidade era vista como uma condição psicopatológica, que alimentava uma lógica que apenas o psiquiatra era a pessoa apta para falar sobre pessoas trans porque o tema estava em um capítulo que abordava sobre desordens mentais. Com a mudança, passou a integrar o capítulo sobre as condições associadas à saúde sexual e o impacto disso é que estamos caminhando para despatologização das identidades trans”, esclareceu a doutoranda em Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brune Coelho.
Segundo a nova classificação (CID-11), as identidades trans deixam de ser consideradas “transtorno de gênero” e passam a ser diagnosticadas como incongruência de gênero, uma condição relativa à saúde sexual, que também passou a ganhar um capítulo próprio na classificação. “Agora, os critérios trazem essa questão que a pessoa é incongruente, mas incongruente com que? Qual é o gênero que é legítimo? Esse novo termo ainda reafirma que o corpo carrega uma verdade sobre a identidade de uma pessoa e de fato não. Precisa avançar ainda mais e deixar de considerar características corporais”, ressaltou.
Um grande avanço, de acordo com Brune, é que a decisão da OMS rompe com a divisão criada entre transexuais e travesti. “Assim, com os critérios mais amplos, mais pessoas passam a ser incluídas dentro das condições e podem ter assistência médica, por exemplo”, disse a doutoranda.
Apesar de ser uma conquista para a comunidade trans e travesti mundial, Brune acredita que a decisão também abre terreno para outras discussões. “É um livro que traz algumas condições de saúde e a transexualidade foi mantido lá. Precisamos pensar em porque mantê-la ou não? Quais os impactos da retirada ou permanência na classificação?”, questionou a doutoranda. “Além disso, os países não são obrigados a adotar a versão atualizada da CID, porém se seguir, como implementá-lo de maneira que possa garantir que as pessoas tenham autonomia, acesso a saúde e sua cidadania respeitada?”, observou.
PARALELO HISTÓRICO
A militante, Bruna Leonardo, afirmou que a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais é um avanço para a comunidade como a remoção da homossexualidade da mesma lista na década de 90. “Muitas famílias internavam filhos e parentes trans, como aconteceu com pessoas homossexuais, porque tinham um laudo psiquiátrico que diagnosticava aquela pessoa com um transtorno e por isso, teria uma cura”, ressaltou Bruna. “A transexualidade era considerada um transtorno mental e por isso, dependia de um laudo psiquiátrico dando este diagnóstico e a gente ficava na mão de uma pessoa que não vivenciava as trans-identidades na pele”, acrescentou.
Na avaliação de Bruna, é um avanço porque quando você tira da lista de transtornos mentais, você passa a ver as pessoas trans como um cidadão comum. “Somos diversos em individualidades, mas somos iguais em direitos e quando você considera como uma doença, o preconceito ainda é maior e marginaliza”, disse.
Bruna também ressaltou que as trans-identidades vão além da aparência da pessoa. “Eu, como militante LGBTTI e mulher trans, acredito que as identidades trans e travesti são mais uma forma de ser, uma forma de externar nossa essência, mais uma condição humana. É algo muito subjetivo e é da pessoa não cabe alguém dizer quem a gente é. Vai além de cirurgia de resignação sexual, de tratamentos hormonais, de procedimento cirúrgico e estético” frisou a militante.
FORÇA TRANS
A militante também está a frente do Força Trans, grupo de acolhimento dedicado a pessoas trans, travesti e intersexuais. “A maioria das vezes, quando a pessoa se assumi trans, por exemplo, ela sofre preconceito dentro de casa porque os pais aprenderam que isso é errado, é desvio de caráter ou coisa do diabo e por isso, não tem apoio nenhum, não pode se expressar como se conhece e nem usar o nome de sua preferência”, relatou Bruna sobre a principal motivação do surgimento do grupo, que iniciou as atividades no dia 7 de maio.
O grupo se reúne a cada 15 dias, as segundas-feiras, às 19h30 no Tenetehara Instituto Cultural. “Nossa reunião serve pra que ela possa ser quem ela é, compartilhar suas conquistas e vivências além de apoiar um o outro”, contou Bruna. “Os encontros são também para aquelas pessoas que estão do nosso lado. Pais, avós, tios, irmãos, amigos, companheiros são bem-vindos e podem tirar suas dúvidas e entender melhor, pois a falta de um referencial leva ao preconceito”, finalizou.
A próxima reunião do Força Trans será realizada nesta segunda-feira, 2 de julho, e o Tenetehara Instituto Cultural está localizado na Avenida Costa e Silva, n°2776, no bairro São Pedro, Cidade Alta.