A denúncia de entidades ambientais sobre uma possível ameaça ao Rio Paraíba do Sul vem pautando uma série de encontros envolvendo a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). A preocupação decorre da curta distância entre o curso d’água e uma enorme pilha de escória, um subproduto da indústria siderúrgica. Uma contaminação traria impacto para o abastecimento de água não apenas em municípios do sul fluminense, como também na região metropolitana do Rio.
A escória é de responsabilidade da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e envolve sobras da produção de aço dos alto-fornos e das aciarias na usina sediada em Volta Redonda (RJ). Essas sobras são usadas na indústria de cimento. A gestão do material está a cargo da multinacional Harsco Metals, contratada pela CSN.
Conforme a denúncia entregue à Alerj pela Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar), a estocagem estaria ocorrendo de forma irregular numa área de 274 mil metros quadrados no bairro Brasilândia, em Volta Redonda. A entidade alega ainda que a licença de operação está vencida. O Inea, órgão responsável por fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental no estado, reconhece que a última licença de operação concedida à Harsco Metals venceu em 19 de dezembrode 2010, há quase oito anos. No entanto, alega que ela permanece válida uma vez que houve requerimento para renovação em 16 de agosto de 2010.
“A operação no local ocorre desde a década de 1980 e esta escória é classificada como resíduo Classe IIB. Desde que foi requerida a renovação, o Inea vem realizando diversas vistorias e emitindo notificações visando realizar as adequações ambientais necessárias. Ao longo de oito anos, a Harsco Metals atende às solicitações e, desta forma, o processo encontra-se próximo de ser finalizado com a emissão de uma nova licença de operação”, informa em nota. O órgão ambiental diz ainda que o desenvolvimento de novas alternativas de aplicação da escória será uma das condicionantes.
Na última quinta-feira (21), a Comissão de Saneamento Ambiental da Alerj buscou explicações em uma reunião com o Inea. Participaram do encontro as deputadas Cidinha Campos (PDT) e Lucinha (PSDB), respectivamente presidente e vice-presidente da comissão. Segundo informações do gabinete do deputado Dr. Julianelli (PSB), que também esteve presente, ficou acordado que o Inea notificará a CSN e a Harsco Metals para apresentar um plano de contingência. Além disso, será realizada análise de amostras da água do rio antes e depois da passagem por uma estação de tratamento, para avaliar se algum tipo de contaminação já está ocorrendo. Na próxima semana, a comissão e o Inea planejam realizar uma vistoria conjunta em Volta Redonda.
As denúncias levaram ainda o Ministério Público Federal (MPF) a abrir um inquérito civil. A procuradora Marcela Harumi Takahashi Pereira, que acompanha o caso, também esteve com técnicos do Inea nesta semana e prepara um ofício onde irá requisitar informações detalhadas ao órgão ambiental. Nos próximos dias, ela irá se reunir com o vereador de Volta Redonda Jari Simão (PSB), que solicitou à Câmara Municipal a organização de uma audiência pública para debater o assunto. Procurada, a prefeitura de Volta Redonda informou que acompanha a situação, mas que a responsabilidade pela fiscalização é exclusiva do Inea conforme a legislação vigente.
Troca de acusações
Antes de levar à denúncia à Alerj, a Ahomar chegou a mover uma ação na Justiça Federal contra a CSN, a Harsco Metals e o Inea. O órgão ambiental é acusado de ser conivente com o problema. O processo, porém, foi extinto sem resolução do mérito pois os juízes consideraram que o caso é de competência da Justiça Estadual.
Por sua vez, o Inea também faz denúncias contra a entidade. Segundo o órgão, a Ahomar estaria atuando de forma seletiva e em parceria com empresas que se beneficiam das suas ações. Um dossiê está sendo elaborado e irá apresentar indícios dessa acusação. “O Inea deixa claro que não será arrastado para esses conflitos concorrenciais. Seu papel é, com razoabilidade, promover a sustentabilidade, sem se envolver em litigância empresariais”.
De acordo com a Comissão Ambiental Sul, outra entidade que endossa as acusações, a pilha está crescendo ao longo do tempo e possui metais pesados. “É uma área que deveria estar sendo preservada, pois o Código Florestal estabelece que a mata ciliar do rio precisa alcançar no mínimo 100 metros de distância da margem. E não tem, pois o depósito está a mais ou menos 50 metros do leito”, diz a presidente da entidade, Adriana Vasconcellos.
Ela afirma ainda que as empresas já se comprometeram no passado a manter a pilha em um limite de 9 metros de altura, o que não está ocorrendo. Outra reclamação da Comissão Ambiental Sul diz respeito à localização inadequada da estrutura, já que o entorno a região é essencialmente residencial e a escória também estaria causando doenças respiratórias e alérgicas em moradores.
Em nota, a CSN informa que o material, conforme classificação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), não é perigoso e não representa risco ao meio ambiente ou à saúde. A empresa afirma ainda que a Harsco Metals é especializada e segue as normas ambientais pertinentes. “No beneficiamento, a parte metálica do material é separada e volta a ser usada no processo siderúrgico. O que sobra é estéril, incapaz de contaminar o meio ambiente, tanto é que é mundialmente destinado para o uso na fabricação de cimento, em pavimentação, em lastro de ferrovias e como base para asfaltamento de vias de tráfego, dentre outras formas de utilização. A CSN, inclusive, está em tratativas com órgãos públicos para a doação de parte desse material para recuperação de estradas vicinais no Rio de Janeiro “, acrescenta a empresa.
O Rio Paraíba do Sul banha três dos quatro estados do Sudeste brasileiro: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Sua importância social, cultural, econômica e histórica para o país é contada no documentário Caminho do Mar, produção de 86 minutos da Bang Filmes, que está em cartaz em cinemas comerciais de Rio de Janeiro e São Paulo. Na próxima semana, o filme estreia também em Niterói e em Belo Horizonte.
Um trecho do longa-metragem chama atenção para a pilha de escória em Volta Redonda. Segundo o diretor Bebeto Abrantes, as gravações foram feitas em 2015, e o filme revela que já naquela época a distância para o rio era inferior a 100 metros. Ele também conversou com moradores da região. “A escória gera preocupações tanto do ponto de vista hídrico como atmosférico. O vento bate e leva o pó. Em uma das cenas impactantes do filme, uma pessoa faz uma experiência em uma das casas. Ela passa um imã no chão e se forma uma cabeçona de pó de ferro”, conta.
Fonte: Agência Brasil