A vida é um eterno recomeço. Fosse escolher a lenda mitológica que mais se assemelha à sua vida, provavelmente o povo brasileiro colocaria a história do castigo de Sísifo entre as preferidas. Sísifo, que viveu vida solerte, conseguiu livrar-se da morte por duas vezes, sempre blefando. Não cumpria a palavra empenhada, até que Tânatos veio buscá-lo em definitivo. Como castigo, os deuses o condenam impiedosamente a rolar montanha acima um grande bloco de pedra. Quase chegando ao cume, o bloco desaba montanha abaixo. A maldição de Sísifo é recomeçar tudo de novo, tarefa que há de durar eternamente.

O povo brasileiro se sente em eterno recomeço. Quando acha que as coisas estão se normalizando, aparece mais um desastre. Nosso habitante se vê numa ilha ameaçada frequentemente por pequenas e grandes catástrofes. Escândalos, corrupção desbragada, favorecimentos, ausência de critérios racionais, mandonismo, impostos, feudos, deterioração dos serviços públicos, falta de continuidade nas administrações constituem condimentos de nossa cultura política.

Os efeitos são catastróficos, pois o sistema de vasos comunicantes acaba impregnando os poros da alma nacional, inviabilizando aquele espírito público, fonte do fervor pátrio, que Alexis de Tocqueville, há 183 anos, tão bem constatou em A Democracia na América (1835), quando se encantou com os valores da alma norte-americana. Escrevia: “existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem aos lugares onde o homem nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna”.

Que amor à Pátria pode existir em espíritos tomados pelo pavor, pela violência de tiros a esmo, pelo estado de guerra civil como a que vemos no Rio de Janeiro, pelos assaltos que infestam as capitais e cidades do Norte e Nordeste, pela marginalidade que incorpora bandos de menores? Que espírito público pode vingar em nossa América Latina quando na vizinha Venezuela as multidões não têm mais o que comer e passam a fugir do país, entrando aos montes em nosso país? O que diria desse Nicolas Maduro, o grande libertador Simon Bolívar, aquele que, um dia, retratou o sofrido continente: “não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única coisa que se pode fazer na América é emigrar”.

O povo quer sentir estabilidade e segurança. Segurança nas ruas, segurança do emprego. Hoje, há 13 milhões de desempregados, amargurando dias de tristeza. Estabilidade que permita divisar com nitidez a linha do horizonte. Como divisar clareza quando estamos apenas a 5 meses da eleição, sem sinais do que pode ocorrer?

A chama telúrica – essa que liga as pessoas ao lugar onde nasceram – está quase se apagando com a violência, o inchaço das metrópoles e o crescimento desordenado das regiões. É bem verdade que daqui a um mês o país deverá viver a catarse coletiva da Copa do Mundo. E se perdemos? Serão dias de tristeza, desgosto e mais amargura. Vamos continuar a ver governos de todas as instâncias usando míseros tostões para administrar massas falidas.

Rezemos para afastar a maldição de Sísifo.




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