Mais um ano, mais um Dia das Mães, mais uma vez a obrigação e a honra em demonstrar toda a gratidão a elas. O Diário Regional apresenta duas histórias, de duas mães, sob duas perspectivas diferentes, mas que demonstram como esse amor único é capaz de produzir uma infinidade de bons frutos.

 

Mãe e filho nas páginas de um livro

Geórgia com o pequeno grande Enzo. Foto: Arquivo pessoal

Geórgia Negreiros é professora e mãe de três filhos. Willy de 23 anos, Yanna de 19 anos e Enzo de 9 anos. Este último, um filho especial, que de tão especial deu vida a um livro. Enzo tem paralisia cerebral e como toda a chegada de um novo filho, também gerou transformações na vida da família e da mãe.

A conversa com Geórgia é algo natural. Os temas da maternidade e da deficiência para ela são uma coisa só. “Eu tive uma gravidez normal. O Enzo nasceu com 38 semanas. Eu fiquei sabendo de seis pra sete meses que ele teria paralisia cerebral. De lá pra cá nós agarramos com unhas e dentes e estamos na luta. Eu sou uma mãe super participativa, levo o Enzo a tudo, a show, a teatro. Tudo que a gente pode incluir ele, a gente inclui”, conta ela.

A notícia da chegada de uma criança especial tem um impacto sobre a mãe, o pai e a família como um todo, mas Geórgia soube lidar com a situação. “Eu não tive problema de aceitação. Falar para você que é fácil, nunca é. É um desafio dia após dia. O que é desafio para uma mãe, para mim não é e vice-versa. Mas como eu tenho deficientes na família por parte de pais, sou filha de fonoaudióloga, então sempre vivenciei isso nos consultórios e ainda fui trabalhar com inclusão mais tarde.”

Geórgia não sabia, mas o seu trabalho como professora, quando ainda morava em Petrópolis, já era um preparo para o que ela vivenciaria num futuro próximo. “Como professora a vida inteira trabalhei com crianças especiais, até que veio o Enzo. Ele é a concretização de tudo que sempre lutei. Mas é aquilo, uma coisa é você colocar em prática com o filho dos outros e a outra coisa é com o seu. Você entra naqueles conflitos e precisa vencê-los”, relatou a mãe.

Quando Enzo completou um ano, a família se mudou para Juiz de Fora. Desde então, as lutas e os desafios se multiplicaram um pouco, mas da mesma forma, a força de ser mãe também. “Eu sempre enfrentei dificuldades de inclusão e aceitação, não da minha parte, mas dos outros. Acho que está na hora de falarmos sobre isso. Estamos no momento da diversidade e precisamos falar sobre essa diversidade seja ela qual for. Grande parte da população mundial tem algum tipo de deficiência. Eu não consigo dormir e pensar que o que é comum ainda estranha tanta gente. A minha luta é essa, para que o Enzo tenha um mundo de maior aceitação.”

De acordo com a mãe, Enzo é um cadeirante e depende dela 24 horas por dia. Mas isso não diferencia o tratamento que ela dá para ele, em relação aos outros dois filhos. “A gente trata o Enzo com toda naturalidade. Ele toma bronca como uma criança qualquer, ele fica de castigo como outra criança qualquer. Ele é extremamente inteligente e está incluso em uma escola regular, com algumas adaptações, mas tudo dentro do contexto esperado.”

Os desafios de uma mãe especial são constantes. Geórgia já enfrentou ironias, xingamentos e as mais variadas formas de desrespeito. Em um dos casos chegaram a duvidar da real necessidade de uma vaga especial para ela estacionar o carro com o filho. “Eu levei três anos para conseguir uma vaga em frente a escola do Enzo. Quando eu consegui, eu ouvi todos os absurdos que você puder imaginar, inclusive, que eu tinha privilégio e que tinha comprado aquela vaga. São coisas que não temos mais necessidade de ouvir nos dias de hoje”, lamentou ela.

A recompensa para os desafios superados são as conquistas diárias de Enzo, quando, por exemplo, há dois meses, conseguiu sozinho, segurar um copo pela primeira vez e levar até a boca. Atos que podem parecer tão simples para determinadas pessoas, mas que em outros contextos conseguem arrancar lágrimas.

A batalha para que o “ser diferente” seja visto como “algo normal” também pode ganhar reforço com pessoas, ideias e projetos que ampliam a inclusão das pessoas com deficiência dentro da sociedade. Em Juiz de Fora, por exemplo, o Instituto Aviva é um dos que cumprem esse trabalho. Geórgia se apegou ao grupo, onde encontrou um espaço ideal para integrar o filho à prática de esportes. “A gente vê como é difícil incluir essa criança em qualquer esporte. A gente não tem preparo, por isso minha ligação tão grande com o Aviva, que é onde as crianças conseguem presenciar e vivenciar algumas práticas.”

O livro, citado no início da matéria, foi uma outra forma que mãe e filho encontraram para se fortalecerem no dia-a-dia. “Ser Diferente é Legal” foi escrito pela professora de Enzo, Juliana James, que teve ideia de criá-lo após escutar os diversos relatos do menino sobre experiências que vivia cotidianamente. Enzo foi a primeira criança no processo de inclusão da professora. Ela já havia tido um aluno autista, mas nunca tinha trabalhado antes com a questão da diferença física.

A obra surgiu a partir de um bate-papo entre a professora e a mãe. Durante o processo de criação uma situação pegou as duas de surpresa. De acordo com Geórgia, “quando o livro do Enzo foi escrito com o título ‘Ser Diferente é Legal’, ele questionou a professora: ‘Ju, mas ser diferente não é legal.’ Aí a gente levou aquele baque, por que ser diferente incomoda tanto. Aí a professora falou, ‘não Enzo, a gente precisa mudar essa concepção. A gente precisa aceitar que todos somos diferentes’. E é a mais pura verdade, a gente precisa aceitar que a diferença está em cada um de nós.”

A partir do livro, mãe e filho, juntamente com o Aviva, seguem agora com um projeto de inclusão nas escolas da cidade, a fim de discutirem e auxiliarem as pessoas como receber crianças especiais nas escolas.

Geórgia pede mudança, aceitação e um novo olhar para as pessoas com deficiência. “A gente só enxerga com naturalidade quando convivemos. Todo mundo quer o deficiente para abaixar tirar uma foto e falar: ‘Tá incluído’. A gente precisa mudar essa realidade e isso precisa se torna normal. Tudo que é tratado com naturalidade é tão tranquilo”, finalizou.

As lutas de Geórgia e Enzo ainda não terminaram. Novas páginas de um livro que com toda certeza, mãe e filho saberão escrever primorosamente.

 

Quando se é um filho adorado

Tila com sua família reunida. Foto: Arquivo pessoal

Tila Maria do Carmo Barbosa da Silva Teixeira é uma professora aposentada, de 58 anos, com um sobrenome extenso tal qual o tamanho de suas histórias. Com três filhos, Isabela de 34 anos, André Luiz de 30 e o mais novo, Leonardo, de 14, hoje é uma mãe experiente e que sabe se colocar no lugar de suas próprias mães.

Natural da cidade de Ubá, Tila foi adotada logo que nasceu. “Com apenas três dias de vida eu fui adotada. A história que eu sei da mãe que me gerou é que era uma menina nova, foi mandada embora de casa por causa da gravidez e ficou num hospital de freiras, lá em Ubá, até me ganhar. Ela deve ter tido um motivo muito forte, pois naquela época era complicado.”

A tia de Tila juntamente com sua mãe adotiva frequentavam constantemente as missas da cidade. Em uma delas escutaram o relato da criança para a adoção. “Em uma das idas à missa, minha tia e minha mãe ouviram a história. Como minha mãe não podia ter filhos, ela e meu pai foram até as freiras e como naquela época não havia tanto rigor, me pegaram como filha”, relatou.

A infância de Tila foi muito tranquila. “Eu tive uma infância muito boa, não posso me negar. Meus pais fizeram de tudo de mim. Fui filha única. Não tive irmãos. E uma convivência muito bacana com meus primos. Eu tenho duas primas, que a gente se parecia tanto que até confundiam a gente. E eu não era de sangue. As duas sim. Penso que devido à convivência ou o hábito ou por ter sido pega muito pequeninha.

A descoberta de ser adotada, quando não tratada de forma natural, pode criar impactos na vida de uma criança. O caso de Tila foi um desses. “Fui crescendo sem a noção de ser adotada. Eu descobri aos 9 anos de idade. Eu e mais duas amigas éramos adotadas. Eu sabia que as duas eram, mas não sabia de mim mesma. Uma vez numa briga de criança, uma delas jogou isso na minha cara”, contou Tila.

Os questionamentos e os momentos de revolta começaram a surgir durante o período da adolescência, ou “aborrecência” como a própria Tila reforçou durante a entrevista. “Eu perguntei pra minha mãe, minha mãe negou. Minha mãe tinha horror de eu falar que fui adotada. Ela achava que as pessoas iriam me discriminar. Então ela não gostava. Mas quando fiquei sabendo mesmo eu revoltei. Falava que ia sair de casa. Pedia para sair e minha mãe não deixava, então eu falava que aos 15 anos iria sair de casa para procurar minha outra mãe”.

Com o passar dos anos Tila tomou conhecimento de outra história em relação a mãe biológica. “Fiquei sabendo que ela foi enfermeira em um hospital e andou com um médico e que me deu pra adoção, pois não tinha condição pra me criar. Ela teria ido para Viçosa para trabalhar em um hospital de lá”. Uma de suas amigas que trabalhava neste hospital, lembrou da história de Tila e tentou buscar informações sobre o paradeiro da suposta mãe. “Minha amiga que trabalhou andou sondando e tinha mesmo uma mulher que trabalhava naquele local, com mesmo nome da minha mãe. Mas não conseguimos encontrar mais informações. Ela deve ter morrido.”

O tempo passou e ela não chegou a conhecer nenhum dos parentes biológicos, pelo menos até o momento. Entretanto, hoje em dia, também não tem esse objetivo. Segundo ela, o amor dos pais, principalmente da mãe Donatila, foram tão grandes que ela não vê mais a necessidade de buscar outros familiares de sangue. Aqui vale aproveitar o gancho e destacar a atitude da mãe, que deu a Tila metade do próprio nome, e colocou Maria do Carmo no sobrenome, devido a uma promessa da mãe biológica para a santa Nossa Senhora do Carmo.

A gratidão é facilmente notada em suas falas. Ela deixa claro esse sentimento pela família que a escolheu como filha. “Ai de mim se não tivesse sido adotada. Não sei o que seria hoje. É uma situação de incógnita. Meus pais, tanto a família do meu pai e da minha mãe, nunca fizeram distinção de mim. Não posso reclamar de nada”, reforçou Tila.

Quando perguntada sobre as principais lições passadas pela mãe e que faz questão de repassar aos próprios filhos ela é categórica. “Eu acho que a questão do respeito aos mais velhos. Pedir benção, por exemplo, isso é uma coisa enraizada. Por mais modernos que a gente tenta ser, ainda temos esse costume. Também ter um carinho mais especial com o idoso, com tios, tias, e outros parentes. Isso que eu tento passar para meus filhos. Primeiro vem a família, que é uma coisa que a gente tem que aprender a respeitar e compreender. Não tem nenhum perfeita.”

A filha adotada, hoje mãe, tem conhecimento de causa para alertar sobre o processo de adoção. “Pra você adotar você tem que ter uma cabeça muito boa, por que são muitos desafios. Hoje em dia as pessoas escolhem muito, querem crianças parecidas, quando na verdade a convivência, a criação e o amor fazem a gente parecer. Adoção é uma escolha. É um filho que você escolhe. Por que o filho que você gera você não escolhe. Você nem sabe como ele vai ser. A criança que você adota, você adota com amor, porque você viu algo que te atraiu.”

Sobre o que representa ser mãe, por alguns momentos, Tila ficou sem palavras, mas com fôlego conseguiu se expressar. “Ser mãe representa tudo. A concepção é um milagre. Eu tenho exemplo do meu último, a ‘rapa do tacho’. Eu nem poderia ter, pois tive HPV e para engravidar era chance de um em um milhão. Aí eu falo que ele estava encubado. Não era pra ter acontecido, mas acabei engravidando com 44 anos. Ele é milagre duas vezes. Por que estava passando problemas na escola e ele veio também para amenizar.”

Para quem quer adotar, e para quem é adotado, nossa personagem também deixa seus conselhos. “As pessoas que adotam têm que dar muito amor, muito respeito e principalmente, muito diálogo. E quem é adotado também precisam ter respeito e agradecer pela família. É muito difícil esse reconhecimento quando a gente é muito novo, mas tem que ter. Hoje em dia está faltando muito essa compreensão e esse diálogo. Tanto de um lado quanto do outro”, finalizou.

Hoje, Tila é mãe duas vezes. Com seu netinho passa agora a uma nova forma de mãe, com um pouco mais de açúcar.

 

Tantas mães. Tantos filhos. Mas indiscutivelmente um Amor, talvez o dos mais fortes.

 




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