Vitruvius disse, há mais de 2mil anos, que um bom arquiteto precisava de vários conhecimentos para a sua formação: geometria, medicina, astronomia, artes, filosofia. Eu acrescentaria hoje, no Dia dos Pais, que bons exemplos éticos também são fundamentais para a nossa formação.
Observando essas origens fiquei tentando entender de onde vem meu interesse e formação como Arquiteto.
Me veio à mente que as memórias mais antigas que tenho do meu pai são dele sempre debruçado sobre a prancheta, algumas vezes noite a dentro, em um puxadinho que existia nos fundos da nossa casa.
Sempre que podia eu ia lá dar uma bisbilhotada nos projetos que estavam sendo feitos e era magnífico: aquele monte de lápis colorido, aquarela, o cheiro característico de benzina no ar, rolos e rolos de papel manteiga, perspectivas espalhadas pela parede…
Meu pai era perfeccionista, nunca se contentava com a primeira ideia, por isso existiam rascunhos e mais rascunhos sobrepostos. O projeto sempre podia ser melhorado.
Algumas vezes recebia os clientes lá no puxadinho.
Dessa época ainda ouvimos a história de uma vez que ele iria receber um “moço importante”, dono de uma grande construtora. A mãe correu para tirar toda a molecada da vista, mas um conseguiu escapulir, pela força da curiosidade, e foi ver quem seria a ilustre visita.
Ao vê-la, decepcionou-se diante daquela figura encurvada que mais parecia o sr. Burns (dos Simpsons), e perguntou:
– Mas esse que é o tal do “sô importante”?
Não sabemos até hoje se foi por causa dessa pergunta que o “sô importante” não pagou pelo projeto que levou e executou. Prestador de serviço sofre.
De tanto ficar por perto dos desenhos, tomei gosto e ganhei minha primeira oportunidade: passar a limpo, no nanquim, o projeto de um prédio
para dar entrada na prefeitura. Ali iniciou minha carreira, aos 16 anos.
Mais adiante, meu pai aventurou-se no ramo da construção e, justo quando assumiu uma grande obra, veio aquele presidente com cara de galã e bloqueou o dinheiro de todo mundo.
Como pagar os funcionários se não se podia sacar dinheiro? Para honrar seu compromisso, vendeu quase todo seu patrimônio para o próprio incorporador (que por sorte havia sacado todo o dinheiro um dia antes do bloqueio).
Contou-nos, anos depois, que só não fez uma loucura nessa época porque tinha filhos.
Entregou a obra com sacrifício e deixou a empresa em stand by, aguardando o futuro filho engenheiro.
Alguns anos depois, entrei na faculdade de engenharia, por influência dele: fiz Engenharia ao invés de Arquitetura por que essa só fica estudando desenhos e ventos dominantes.
Três anos depois ajustei minhas velas para que os ventos me soprassem para a Arquitetura, onde formei. Aprendi a projetar… mas até hoje não descobri quem são esses ventos dominantes.
Provavelmente meu pai é a pessoa que mais tem projetos executados na cidade.
Atualmente não projeta mais profissionalmente, mas por vezes ainda o vejo debruçado sobre a prancheta, desenhando para algum amigo ou parente. Mantém a mesma vibração e brilho nos olhos enquanto exerce esse ofício.
Obrigado, pai, por ter me ensinado, mesmo que inconscientemente, a acreditar que sempre se pode melhorar uma ideia, a entender a importância de honrar os compromissos (mesmo sob as dificuldades), a entender que podemos continuar bons (a despeito dos dissabores e injustiças que eventualmente vivemos) e que podemos ser longevos produzindo aquilo que gostamos.
Olhando em perspectiva, o “sô importante” não visitava lá em casa, ele morava lá, e estava sempre sobre a prancheta.
“Sô importante”, de verdade, não são os outros, mas aqueles que nos arquitetam pessoas melhores, independente da profissão.
Feliz Dia dos Pais!
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