Cortou-me o coração! Certo dia, uma criança de 10 anos se aproximou com os olhos tristes, voz muito baixa, e segredou-me em língua crioula: “eu queria ir à escola”. Perguntei-lhe: “você nunca esteve em uma escola?”. A resposta negativa daquele pequeno afrodescendente tinha fundamento. Para ir à escola da rede pública no Haiti, os pais têm que gastar ao menos para uniforme e material escolar, que não são baratos. A maioria das crianças fica sem instrução formal e pode continuar analfabeta por toda a vida. O índice de analfabetismo naquele país é alto. Embora dados oficias dão a cifra de cerca de 40%, o que já seria muito, sabe-se que o número é bem maior. Em algumas regiões, as pessoas que não sabem ler nem escrever somam além da metade da população. Das crianças que entram para a escola, somente 30% chegam ao fim do curso primário. É comum ver grupos de jovens com maioria sem nenhuma escolaridade. Salvam a situação as obras da Igreja que, pelo trabalho missionário de padres ou freiras, recolhem o maior número de crianças que podem, mas não conseguem atingir a todas. As escolas públicas não chegam a 10 %, sendo 90% mantidas pelas missões Católicas e algumas protestantes das Igrejas históricas.
Na tarde do dia 20 de julho, encontramos a Missão da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), onde vivem seis Religiosas, uma de cada Congregação, que ali estão para ensinar trabalhos manuais, educação artística, com efeitos benéficos para a alfabetização, educação e cultura, e oferecer medicina alternativa, além da formação catequética para crianças e adultos. Fomos recebidos com graciosa apresentação de cantos e danças das crianças da Infância Missionária.
Duas outras visitas marcaram nosso itinerário pelo Haiti. Na manhã de sexta-feira, dia 21 de julho, estivemos, em grupo, na Nunciatura Apostólica, onde encontramos Dom Martin Eugène Nugent, atual representante do Papa no país, um irlandês amável e acolhedor. Deu-nos oportunidade de conhecer alguns aspectos da Igreja nas duas únicas Províncias Eclesiásticas, com as dez dioceses do território haitiano. Rezamos juntos na capela da casa e dele recebemos palavras de incentivo para nosso projeto missionário. O interesse por visitar a Representação Pontifícia teve como propósito selar nossa união espiritual com o Papa Francisco, que tem incentivado às dioceses e arquidioceses a se tornarem, cada vez mais, “Igreja em saída” e a olharem, sem medo, para as periferias. Recordemos que, no momento da eleição de Bergoglio para a sede de Pedro, foi um Cardeal brasileiro, o franciscano Dom Cláudio Hummes, que lhe disse ao ouvido que não se esquecesse dos pobres, razão pela qual o eleito decidiu escolher para si o nome do Poverello de Assis.
A última visita deu-se sábado de manhã, quando fomos à base militar brasileira em missão de paz no Haiti. Ficamos cheios de admiração e bons sentimentos patrióticos, pelo que vimos. Fomos muito bem recebidos pelo Comandante da Brabat 26, Coronel Lage, o subcomandante Coronel Pontes e o Coronel Vasconcelos, G10. Acompanhou-nos muito atenciosamente o Capelão Militar, 1º Tenente do Exército, Padre Rodrigo César Ferreira, jovem presbítero que leva com brio os seus deveres militares e com exemplar fidelidade sua vida sacerdotal a serviço dos soldados. Ficamos admirados de observar que os nossos militares brasileiros, das três forças, ali não apenas garantem a paz, mas fazem um excelente trabalho social de ajuda à população carente, com várias ações humanitárias, construções e doações, inclusive auxiliando as missões religiosas através de projetos sociais apresentados pelas comunidades.
Na viagem de retorno ao Brasil, depois das fortes experiências missionárias no Haiti, uma cena nos impressionou já no Panamá. Após a Missa que celebramos domingo na linda capela do aeroporto daquela cidade, uma senhora venezuelana nos veio procurar, com visível angústia no rosto, e nos fez um pedido clamoroso: “rezem pelo povo venezuelano que está numa situação de terrível opressão de um governo ditador e violento, causando fome e desespero na população”.
A nossa missão continua. Todos podemos fazer algo pelo próximo.