Ele era privilegiado. Apesar de viver em uma capital muito movimentada, com a maior população do país, um índice de criminalidade exorbitante, ele morava na rua mais quieta e pacata da cidade. Porém ele não se sentia privilegiado. Era tanto marasmo que começou a incomodá-lo. Queria ver movimento, mas nada acontecia naquela rua. Quando passava uma ambulância, corria, tirava foto e postava nas redes sociais com uma empolgação de criança ganhando doce.

Uma vez ele até pensou em pular da janela só para ter alguma coisa acontecendo. Não iria morrer, só iria machucar muito, pois morava no segundo andar do edifício. Mas era uma forma de ver movimento e acabar com aquela calmaria. Para que uma janela tão grande se ele não pode apreciar a vida passando lá fora?

Numa noite de sábado, ele não aguentou a pasmaceira, ligou para a polícia e denunciou uma invasão de domicílio no seu prédio para ver um movimento. Quando a polícia chegou viu que não havia nada, viatura deslocada sem necessidade. Mas pelo menos alguma coisa aconteceu na sua rua. Tirou foto, postou no “face” e dormiu o sono dos vitoriosos. Repetiu o feito várias vezes, até que a polícia deixou de atender a ocorrência porque sabia que era trote!

Um dia ele acordou de madrugada com gritos. Não acreditando, correu para ver o que era. Seu coração disparou, tinha uma pessoa sendo assaltada bem embaixo de sua janela. Quanta felicidade! Era o momento mais importante de sua vida. Pegou seu celular tirou fotos, filmou e gritou para o assaltante: muito obrigado! O sujeito não se fez por satisfeito, ficou na rua e esperou mais gente passar. Ali era uma mina de ouro. Assaltou todos que deram presença naquele lugar.

Nosso amigo em êxtase absoluto. Cada assalto um flash e uma postagem. Foram no mínimo uns dez aquela noite.

No outro dia de manhã deu no jornal local que várias pessoas foram até a delegacia registrar ocorrência. A polícia havia recebido várias ligações, mas pelo histórico da rua, achou que fossem trotes. As vítimas também relatavam que o assaltante não estava agindo sozinho, que tinha um cúmplice em uma janela, tirando fotos e vibrando com os assaltos.

Através dos depoimentos a polícia chegou ao apartamento de nosso personagem, que recebeu a voz de prisão por acobertar um criminoso. Na investigação também viram que ele foi o responsável por inúmeros trotes para a emergência policial. Sua rede social serviu de prova nos autos. Sua nova janela agora tem movimento, mas ele não consegue ver por excesso de moradores em sua cela.




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